Introdução aos Ritos e Rituais Herméticos e Alquímicos do Século XVIII
José Manuel Anes
A Alquimia
operativo-laboratorial (1) - a que é praticada em laboratório - é um rito
sacrificial em que o alquimista sacrifica a matéria, constituindo esse rito (2)
urna atividade individual. Apesar disso, os alquimistas reuniam-se por vezes
em escolas, mesmo que reduzidas ao Mestre e ao discípulo, e trocavam opiniões
entre si dentro de uma mesma escola, ou entre alquimistas de diversas escolas
(3).
Existiram,
no entanto, a partir de meados do século XVIII (e sobretudo nesse século),
ritos e rituais herméticos e alquímicos que não pretendiam fazer alquimia, mas
preparar o candidato para uma assimilação dos princípios herméticos e da
prática alquímica, num contexto ritual e dentro de um grupo organizado, através
de uma cerimônia iniciática onde seriam revelados - na iniciação, na instrução
e no catecismo - os segredos alquímicos.
Grande
parte desses ritos e rituais foram criados num contexto maçônico, constituindo
(altos) graus maçônicos, como o ritual (do grau) de Cavaleiro do Sol, ou mesmo
um sistema (rito) maçônico, como o Rito Hermético de Dom Pernety, ou a Estrela
Flamejante do Barão de Tschoudy.
Ocorre, a
propósito, referir que alguns destes graus herméticos ou alquímicos ocorreram
no seio da Maçonaria "dos Antigos", ou do universo maçônico por ela
influenciado (e que tem raiz no hermetismo renascentista, nos Rosa-Cruzes do
século XVII, etc.), mais aberta (e mesmo entusiasta) a receber ensinamentos
provenientes de correntes esotéricas como a Cabala, a Teurgia, a Alquimia,
etc., e interpretações esotéricas de tradições como a Cavalaria - como os ritos
"escoceses", quer o Antigo e Aceite, quer o Rectificado, mas também
os ritos de York, da Ordem Real da Escócia (Heredom de Kilwining e Cavaleiro
Rosa-Cruz) e do Rito Sueco, proveniente, como o Rito Escocês Rectificado, da
maçonaria da Estrita Observância Templária alemã, e mesmo, ainda que não
"regulares", os ritos "egípcios" de Cagliostro, de Misraim,
etc. -, o que não se passa, de modo algum, na Maçonaria mais exotérica
"dos Modernos" (como, p.ex., o Rito de Emulação, inglês, e o Rito
Francês) (4).
Vamos
analisar, brevemente, alguns desses rituais e ritos - maçônicos ou
para-maçônicos -do séc. XVIII (o último dos quais, o de Misraim, fixado em
começos do século XIX, a partir de materiais do século XVIII).
A) O
"Ritual alquímico secreto do grau de verdadeiro maçom acadêmico"
(1770) (5) de Dom Pernety (1716-1796) e dos seus "Iluminados de
Avignon".
Antoine
Joseph Pernety (Dom Pernety) nasceu em 1716 em Roanne-en-Forez e pronunciou os
votos como beneditino da congregação de Saint-Maur, em 1732, na Abadia de
Saint-Alllire de Clermont. Muito inteligente e culto - versado em Matemáticas,
Ciências Naturais (participa na expedição de Louis de Bouganville às Ilhas
Maldivas) e Pintura e Escultura (6) -ele encontra, na biblioteca da Abadia de
Saint-Germain-des-Prés, o livro do abade Lenglet-Dufresnoy, Histoire de la
Philosophie hermétique (Paris, 1742), completado com a tradução do Véritable
Philalète (Entré au Palais fermé du Roi), que desperta nele uma paixão que
perdurará até ao fim da sua vida: a Alquimia. Em 1758 (e 1786) (7), publicará
as Fables égyptiennes et grecques dévoilées et réduites au même principe e em
1758 (e 1787), o Dictionnaire mytho-hermétique, dans lequel on trouve les
allégories fabuleuses des poètes, les métaphores, les énigmes et les termes
barbares des philosophes hermétiques expliqués (B) . Em ambos os livros (mas
particularmente no primeiro, ao qual ele se refere constantemente no
Dictionnaire), Dom Pernety propõe-se dar uma explicação alquímica das
"fábulas" da Antiguidade (Elíada, Odisseia, etc.) e também dos mitos
religiosos egípcios que, segundo ele, conteriam todos os segredos da Grande
Obra.
Tendo
entrado em conflito com a congregação monástica beneditina de
Saint-Germain-des-Prés, o nosso abade chega a Avignon em 1766, onde propõe
desde logo um novo rito maçônico, o rito hermético, que foi adoptado pela Loja
aristocrática dos Sectateurs de la Vertu (à qual ele parece aderir sem sabermos
se ele já era maçom anteriormente ou se nela foi iniciado).
O rito (ou
regime) de Pernety - inteiramente baseado no Hermetismo e destinado a cristãos
discretamente sapientes (9) - era constituído por seis (altos) graus, para além
dos três graus simbólicos (de Aprendiz, de Companheiro e de Mestre):
- Verdadeiro Maçom
- Verdadeiro Maçom na via recta
- Cavaleiro da Chave de Ouro
- Cavaleiro da Iris
- Cavaleiro dos Argonautas
- Cavaleiro do Tosão de Ouro.
O ensino
hermético era dado pelo Orador da Loja, desde o primeiro alto grau (de
Verdadeiro Maçon): «Ia science à laquelle nous vous initions, est Ia premiere
et Ia plus ancienne de toutes les sciences. Elle émane de Ia nature, ou plutôt
c' est Ia nature elle-même, perfectionnée par I' art et fondée sur I'
expérience. Dans tous les siècles, il y a eu des adeptes de cette science, et
si, de nos jours, des chercheurs y consument en vain leurs biens, leurs travaux
et leurs temps, c'est que, loin d'imiter Ia simplicité de Ia nature et de suivre
des voies droites qu' elle trace, ils Ia parent d'un fard qu' elle ne peut
souffrir et s' égarent dans un labyrinthe où leur folle imagination les
entraîne.(10)
A partir de
1766-7, Dom Pemety está em Berlin como bibliotecário de Frederico II. Nesta cidade
conhece outros hermetistas, toma contato com as doutrinas de E. Swedenborg
(relativo aos contactos com entidades celestes) e aperfeiçoa o seu Rito
Hermético. Em 1783 recebe a "Santa Palavra" de uma entidade celestial
que lhe ordena que abandone a Prússia e retome a Avignon, para fundar o grupo
dos "Iluminados" - na sequência dos "Iluminados de Berlim",
a que pertencera. Em 1787, o Rito tem cerca de uma centena de elementos e em
1789 é já célebre nos meios esotéricos.
A Instrução (ou Catecismo) - do Grau de
Verdadeiro Maçom Acadêmico - contém perguntas e respostas (11) relativas à
teoria alquímica e também algumas alusões à sua prática (tradução é nossa):
P. -Por onde andaste?
R. -A percorrer o céu e a terra.
P. -O que viste?
R. -O caos.
P. -Quem o criou?
R. -Deus.
P. - Quem o produziu?
R. -A Natureza.
P. -Quem o aperfeiçoou?
R. -Deus, a natureza e a arte.
P. -O que entendes por caos?
R. -A matéria universal sem forma e susceptível de adquirir toda a forma.
P. -Qual é a sua forma?
R. -A luz encerrada nas sementes de toda a espécie.
P. -Qual é a sua ligação?
R. -O espirito universal cido.
P. - Sabes trabalhar a matéria universal?
R. -Sim, Sapientíssimo.
P. -De que é que te serves para esse fim?
R. -Do fogo interno e externo.
P. -O que é que resulta disso?
R. -Os quatro elementos que são os princípios principiantes e mediantes.
P. -Como é que eles se denominam?
R. -O fogo, o ar, a água e a terra.
P. -Quais são as suas qualidades?
R. -O quente, o seco, o frio e o úmido. Acopuladas duas a duas, dão respectivamente: a terra, seca e fria; a água, fria e úmida; o ar, úmido e quente; o fogo, quente e seco, o qual se vem a conjugar com a terra, pois os elementos são circulares como o vento, o nosso pai Hermes.
P. -O que é que produz a mistura dos quatro elementos? E as qualidades de que tudo é composto?
R. -Os trés princípios principiantes mediatos.
P. -Que nome Ihes dás?
R. -Mercúrio, enxofre e sal.
P. -O que entendes por mercúrio, enxofre e sal?
R. -Eu entendo-os como mercúrio, enxofre e sal filosóficos e não vulgares.
P. -O que é o mercúrio filosófico?
R. -É uma água e um espírito que dissolve e sublima o sal.
P. -E o que é o enxofre?
R. -É um fogo e uma alma que o guia e o colora.
P. -O que é o sal?
R. -É uma terra e um corpo que se congela e se fixa e tudo isso se faz mediante o veiculo do ar.
P. -O que decorre destes três princípios?
R. -Os quatro elementos rodopiados como diz Hermes, ou os grandes elementos como diz Raimundo Lúlio, que são o mercúrio, o enxofre, o sal e o vidro, dos quais dois voláteis, a saber a água e o ar, que é o óleo, porque toda a substância liquida pela sua natureza dissipa o fogo, e a terra pura que é o vidro sobre o qual o fogo não tem ação (...)
P. -O que entendem por mistos?
R. -Os animais, os vegetais e os minerais.
P. -Quem dá aos mistos o movimento, o sentimento, o alimento e a substância?
R. -Os quatro elementos: o fogo dá o movimento, o ar dá o sentimento, a água, o alimento, e a terra, a substância.
P. -Para que servem os quatro elementos redobrados?
R. -Para engendrar a Pedra Filosofal se se for bastante industrioso para Ihes dar o fogo conveniente e Ihes dar os pesos da natureza.
P. -Qual é o grau de fogo?
R. -Trinta e duas horas para a putrefacção, trinta e seis para a sublimação, quarenta para a putrefacção...
R. -A percorrer o céu e a terra.
P. -O que viste?
R. -O caos.
P. -Quem o criou?
R. -Deus.
P. - Quem o produziu?
R. -A Natureza.
P. -Quem o aperfeiçoou?
R. -Deus, a natureza e a arte.
P. -O que entendes por caos?
R. -A matéria universal sem forma e susceptível de adquirir toda a forma.
P. -Qual é a sua forma?
R. -A luz encerrada nas sementes de toda a espécie.
P. -Qual é a sua ligação?
R. -O espirito universal cido.
P. - Sabes trabalhar a matéria universal?
R. -Sim, Sapientíssimo.
P. -De que é que te serves para esse fim?
R. -Do fogo interno e externo.
P. -O que é que resulta disso?
R. -Os quatro elementos que são os princípios principiantes e mediantes.
P. -Como é que eles se denominam?
R. -O fogo, o ar, a água e a terra.
P. -Quais são as suas qualidades?
R. -O quente, o seco, o frio e o úmido. Acopuladas duas a duas, dão respectivamente: a terra, seca e fria; a água, fria e úmida; o ar, úmido e quente; o fogo, quente e seco, o qual se vem a conjugar com a terra, pois os elementos são circulares como o vento, o nosso pai Hermes.
P. -O que é que produz a mistura dos quatro elementos? E as qualidades de que tudo é composto?
R. -Os trés princípios principiantes mediatos.
P. -Que nome Ihes dás?
R. -Mercúrio, enxofre e sal.
P. -O que entendes por mercúrio, enxofre e sal?
R. -Eu entendo-os como mercúrio, enxofre e sal filosóficos e não vulgares.
P. -O que é o mercúrio filosófico?
R. -É uma água e um espírito que dissolve e sublima o sal.
P. -E o que é o enxofre?
R. -É um fogo e uma alma que o guia e o colora.
P. -O que é o sal?
R. -É uma terra e um corpo que se congela e se fixa e tudo isso se faz mediante o veiculo do ar.
P. -O que decorre destes três princípios?
R. -Os quatro elementos rodopiados como diz Hermes, ou os grandes elementos como diz Raimundo Lúlio, que são o mercúrio, o enxofre, o sal e o vidro, dos quais dois voláteis, a saber a água e o ar, que é o óleo, porque toda a substância liquida pela sua natureza dissipa o fogo, e a terra pura que é o vidro sobre o qual o fogo não tem ação (...)
P. -O que entendem por mistos?
R. -Os animais, os vegetais e os minerais.
P. -Quem dá aos mistos o movimento, o sentimento, o alimento e a substância?
R. -Os quatro elementos: o fogo dá o movimento, o ar dá o sentimento, a água, o alimento, e a terra, a substância.
P. -Para que servem os quatro elementos redobrados?
R. -Para engendrar a Pedra Filosofal se se for bastante industrioso para Ihes dar o fogo conveniente e Ihes dar os pesos da natureza.
P. -Qual é o grau de fogo?
R. -Trinta e duas horas para a putrefacção, trinta e seis para a sublimação, quarenta para a putrefacção...
B) Os
rituais alquímicos do Barão de Tschoudy (1724 -1769) e os Estatutos dos
"Filósofos Desconhecidos":
O
nome desta Sociedade dos "Filósofos Desconhecidos" parece ter sido
inspirado pelos "Estatutos dos Filósofos Desconhecidos", incluidos na
obra do Cosmoplita (o alquimista polaco Michel Sendivogius), Tratados do
Cosmopolita novamente descobertos (12).
-A Estrela
Flamejante (1766)
Este Rito é
"verdadeiramente alquímico" (13), e no seu catecismo (destinado a
aprendizes, companheiros e professos) é feita uma descrição da Grande Obra
Alquímica, inspirada nos textos do alquimista Michel de Sendivogius
(1566-1646), o Cosmopolita (que também influenciou Dom Pernety),
particularmente Nova Luz Química e Cartas Filos6ficas.
Da
"instrução para o grau de adepto ou aprendiz Filósofo Sublime e
Desconhecido", retiremos a seguinte passagem:
P. -De que mercúrio devemos
servirmo-nos para a Obra?
R. -De um mercúrio que não se encontra sobre a terra, mas que é extraído dos corpos, mas nunca mercúrio vulgar...
P. - Como chamas a esse corpo?
R. -Pedra bruta ou caos, ou "iliaste'; ou "hylé".
P. -É essa mesma pedra bruta cujo símbolo caracteriza os nossos primeiros graus?
R. -Sim, é a mesma que os maçons trabalham a desbastar e da qual eles querem retirar as imperfeições; essa pedra bruta é, por assim dizer, uma porção desse mesmo caos, ou massa confusa desconhecida e desprezada por todos... (14)
R. -De um mercúrio que não se encontra sobre a terra, mas que é extraído dos corpos, mas nunca mercúrio vulgar...
P. - Como chamas a esse corpo?
R. -Pedra bruta ou caos, ou "iliaste'; ou "hylé".
P. -É essa mesma pedra bruta cujo símbolo caracteriza os nossos primeiros graus?
R. -Sim, é a mesma que os maçons trabalham a desbastar e da qual eles querem retirar as imperfeições; essa pedra bruta é, por assim dizer, uma porção desse mesmo caos, ou massa confusa desconhecida e desprezada por todos... (14)
-O
Cavaleiro do Sol
A Ordem ou
"Sociedade dos Filósofos Desconhecidos" possuiu um sistema maçónico
baseado no Hermetismo e na Alquimia, num contexto cristão, cujo 7°, Grau, de
"Cavaleiro do Sol", foi praticamente incluido no 28° Grau do Rito
Escocês Antigo e Aceite (codificado em 1802, em Charleston, E.U.A.) e no 51°,
Grau do Rito de Misraim. A sua palavra de passe é Stibium, Estibina (Sulfureto
de Antimónio), uma das matérias primeiras da Alquimia operativo-laboratorial, e
a sua doutrina contém, segundo Michel Monereau (15), os seguintes temas: 1
-existe um primeiro princípio, incognoscível, que penetra o universo em todos
os seus planos; 2 -a vida humana é apenas um ponto face à eternidade; 3 -a
harmonia universal resulta do equilíbrio engendrado pela analogia dos
contrários; 4 -o absoluto é o espírito que existe por si próprio; 5 -o visível
é apenas a manifestação do invisível; 6 -o mal é necessário à harmonia
universal; 7 -a analogia é a única chave da natureza.(16)
C)
A Ordem dos "Arquitectos Africanos" e o "Crata Repoa"
(1770)
A Ordem dos
"Arquitectos Africanos", ou dos "Irmãos Africanos"
("africanos" querendo dizer "egípcios"), foi instituída em
1767, na Prússia, sob os auspícios de Frederico o Grande (inspirador e
protector de outros graus e ritos maçónicos entre os quais o Rito Escocês
Antigo e Aceite) e teve como Grão Mestre von Koppen, ilustre membro da Estrita
Observância Templária (organização maçônico-templária dirigida pelo Barão Carl
von Hund). Estava organizada em 7 classes: 1ª, Pastophoris; 2ª, Néocoris; 3ª,
Melanophoris; 4ª, Chistophoris; 5ª, Balahata; 6ª, Astrônomo da Porta de Deus;
7ª, Profeta ou Saphenath Pancah.
Este
sistema hermético "visava revelar os segredos do antigo Egipto" (17)
e estava baseado no livro do "Crata Repoa" publicado em 1770, na
Alemanha, onde figuravam os graus desta "antiga maçonaria". Após ter
passado pelas Trevas (no 3°. Grau, na "Porta da Morte" do Mestre
Osíris), de onde apenas sairia após ter adquirido "verdadeiros
conhecimentos", e de ter atingido a Luz após a "Batalha das
Sombras" do 4°. Grau - onde receberia o "escudo de Isis" -, o
iniciado assistia no 5° Grau a uma representação da morte da Serpente - Typhon,
por Horus, finda a qual o Balahata aprendia a "química" (isto é, a
Alquimia), "a arte de decompor as substâncias e de combinar os
metais":
D)
Cagliostro e o Ritual da Maçonaria Egípcia
Este ritual
-mais hermético do que alquímico-laboratorial, visto que ele aponta no sentido
das "alquimias internas" (não psico-espirituais, mas
fisiológico-espirituais) -inclui umas "quarentenas espirituais",
durante as quais cada um receberá propriamente o Pentágono (Estrela
Flamejante), quer dizer, essa folha virgem sobre a qual os Anjos primitivos
imprimiram os seus números e selos, e com a qual ele se tornará Mestre (...) e
o seu espírito ficará cheio de um fogo divino e o seu corpo se tornará puro
como o da criança mais inocente (...) com um poder imenso, não aspirando senão
ao repouso para atingir a imortalidade e poder dizer dele próprio: Ego sum qui
sum (Eu sou o que é).
O objectivo
do seu Rito -a imortalidade conquistada durante a vida física -pode ser
resumido por uma frase extraída do seu catecismo: «Tendo sido criado à imagem e
à semelhança de Deus, eu recebi o poder de me tornar imortal e de ordenar aos
seres espirituais para reinar sobre a terra».
Em 1784,
Cagliostro fundou a Loja-mãe do seu Rito, "A Sabedoria Triunfante",
mas o Rito em si parece não ter sobrevivido ao seu criador.
E)
Os "Arcana Arcanorum" do Rito de Misraim e de Menfis-Misraim
Os
"Arcana Arcanorum" (Mistério dos Mistérios) são os últimos graus do
Rito de Misraim e do Rito de Menfis-Misraim que, embora constituídos nos
começos do século XIX, estão baseados em textos do século XVIII (18), entre os
quais provavelmente alguns de Cagliostro.
No 88° Grau
"o iniciado deve... receber os influxos celestes e... sentir bater nele a
vida universal, depois de o «orvalho celeste» ter descido nele para fecundar o
germe que ele traz dentro de si". Após o 89°, Grau, que "permite um
contacto com o invisível", vem o 90º. Onde é dito que: «Toda a vida oscila
entre estes dois polos: Matéria e Espírito; Bem e Mal; Felicidade e Sofrimento.
Toda a iniciação deve conduzir-nos da Lua ao Sol, de Isis a Osiris, da Matéria
à essência divina».
Segundo
Jean-Pierre Giudicielli (19) "É no grau do Cavaleiro Rosa Cruz que se
desenvolve um Wuei Tan (via exterior) e não um Nei Tan, que é a obra mais
avançada. Com efeito, o 18° Grau diz respeito às duas etapas clássicas da via
exterior... Mas é sem equívoco possível, nos últimos graus de Misraim (87°,
88°, 89°, 90°), também chamados Escala de Nápoles, que residem certas chaves
operativas da alquimia interna do Corpo de Glória (nei Tan), a qual já tinha
sido anunciada no 12°. Grau de "Grande Mestre Arquitecto":
A suprema
ambição dos Grandes Mestres Arquitetos é de fazer viver em eles a verdade e de
comer o fruto da Árvore do conhecimento, de serem deuses.
Conclusão
Estes ritos
e rituais herméticos e alquímicos aparecem, no século XVIII, num contexto
maçônico ou para-maçônico no ambiente iniciático que se pode denominar, numa
perspectiva generalizada, de "Maçonaria dos Antigos", esotérica e
mesmo ocultista.
Por falta
de tempo não nos foi possível referir os Ritos da " Rosa Cruz de
Ouro" (Alemanha, 1777) e da "Rosa Cruz de Ouro do Antigo
Sistema" (Alemanha, 1781), ambos de natureza hermética e alquirnica, o que
ficará para uma segunda parte desta introdução.
Notas
(1)
Escolhemos esta denominação para distinguir a alquimia que é praticada em
laboratório -também denominada de "física": embora ela pretenda
promover a espiritualização da matéria, e nesse sentido ela é também e
essencialmente "espiritual" - das alquimias denominadas
"psicológicas", "espirituais", etc., as quais também
apresentam uma operatividade. Há outras alquimias que são também
"operativas", como por exemplo as "alquimias internas" que
se desenrolam no interior do corpo humano (vide a alquimia taoista).
Para uma
definição de "alquimia operativo-laboratorial", ver a minha Tese de
Doutoramento em Antropologia (Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2002), intitulada "Hermes redivivo
-ressurgimentos da alquimia operativo-laboratorial na segunda metade do século
XX: novos movimentos alquímicos franceses".
(2) Para
uma discussão deste tema, ver a minha Tese Complementar de Doutoramento em
Antropologia, na mesma Faculdade, "A Alquimia operativo- laboratorial,
como rito sacrificial"
(3)
Veja-se a tradição de encontros entre alquimistas, na Catedral de Notre-Dame de
Paris referida nos começos do século XX, pelo alquimista (ou alquimistas...)
Fulcanelli (in "O Mistério das Catedrais", Lisboa, 1973, p.54): «Os
alquimistas do século XIV encontram-se aí, no dia de Saturno, no grande portal
ou no portal de S. Marcelo, ou ainda na pequena Porta Vermelha, toda decorada
de salamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hábito se mantinha ainda no
ano de 1539, "nos domingos e dias de festa" e Noel du Fail diz que «o
grande encontro de tais acadêmicos era em Notre-Dame de Paris». Aí (...) cada
um expunha o resultado dos seus trabalhos, desenvolvia a ordem das suas
pesquisas. Emitiam-se probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se
no próprio local a alegoria do belo livro e a exegese abstrusa dos misteriosos
símbolos não era a parte menos animada destas reuniões.»
(4) Para
uma sucinta, mas esclarecedora discussão desta diferença entre
"antigos" e "modernos", veja-se o interessante livro de
Jean Solis, Guide Pratique de la Franc-Maçonnerie, Ed. Dervy, Paris, 2001
(livro que contém, no entanto, algumas incorrecções sobre as Obediências
regulares no mundo, mas que o autor se propõe rectificar brevemente, conforme
comunicação pessoal recente).
(5) Dom Pemety,
Rituel Alchimique Secret, Viareggio, Ed. Rebis, 1981.
(6) Foi
tradutor ( e comentador) de um tratado de matemáticas alemão, colaborou no 8°.
Volume de Gallia Christiana, publicou um comentário da Regra de São Bento, com
o título de Manuel bénédictin e, estando já destacado na Abadia de
Saint-Germain des Prés, também um Dictionnaire portatif de peinture, de
sculture et de gravure, procedendo nessa ocasião a estudos de Botânica ( cf. J.
Bricaud, Les Illuminés d'Avignon, pp. 5-7).
(7) Redição
em 1971, na Ed. Arché, Milão, e em 1982, nas Ed. La Table d'Emeraude, Paris.
(8)
Reedição em 1972, em Milão, na Arché, e no mesmo ano, na Denoel, em Paris.
(9) Ver
artigo 2 dos Estatutos a p. 3 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.).
(10) J. Bricaud, op. cit., p. 33.
(11) cf.
pp. 19-21 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.)
(12)
Bernard Roger, "Introdução" a Nouvelle Lumiere Chymique, Paris, Retz
, 1976, p. 23. Ver também Zbigniew Sydlo,
Michael Senvivogius and the «Statuts des Philosophes Inconnus", in
"The Hermetic Journal", 1992, pp. 72-91.
(13) Michel Monereau, Les Secretes hermétiques de la
Franc-Maçonnerie, Paris, Axis Mundi, 1989, p.27.
(14) ibid.;
a tradução é nossa.
(15) Les
Secrets Hermétiques de Ia Franc-Maçonnerie, pp. 26-27.
(16) ibid.;
a tradução é nossa.
(17) Michel Monereau, op. cit., pp. 38-39
(18) Michel Monereau, op. cit., pp. 43-44.
(19) In Pour la Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris,
Axis Mundi, 1988, p. 68.
Bibliografia
Anónimo -Les Initiations antiques -t. II -Crata Repoa
ou Initiations aux anciens mystères des prêtres d'Égypte, Paris, 1770 (e 1821),
reed., Rouvray, Les Éditions du Prieuré, 1993.
Amadou,
Robert -Cagliostro et le Rituel de la Maçonnerie Égyptienne, Paris, SEPP, 1996.
Bayard, Jean-Pierre -Symbolisme Maçonnique
Traditionel- II: Hauts grades et Rites anglo-saxons, Paris, EDIMAF, 3a. Ed. rev. e
aum., 1987.
Bricaud,
Joanny -Les Illuminés d'Avignon -étude sur Dom Pernety et son groupe, Paris,
1927 (reeditada em 1995, pela SEPP, Paris).
Caillet,
Serge -Arcanes et Rituels de la Maçonnerie Égyptienne, Paris, Guy Trédaniel
Ed., 1994.
La Sainte Parole des Illuminés d' Avignon, in "Le
Fil d' Ariane" no.43-44 (Été-Automne 1991), Walhain-St-Paul, Belgique,
pp.19-51.
Caro, Roger
-Rituel F.A.R.+C et deux textes alchimiques inédits, edição do autor, Saint
Cyr-sur-Mer, 1972.
Faivre, Antoine -El Esoterismo en el siglo XVIII
(trad. espanhola da obra L'Ésotérisme au XVIIIe Siècle, Paris, 1973), EDAF,
Madrid, 1976.
Giudicelli de Cressac-Bachelerie, J.-P. -Pour la
Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris, Ed. Axis Mundi, 1988.
Labouré, Denis -De Cagliostro aux Arcana Arcanorum,
in "L'Originel" no.2, Paris, 1995.
Mollier,
Pierre -Contribuition à l' étude du grade de Chevalier du Soleil, p. I, II,
III, in "Renaissance Traditionelle", Paris, respectivamente, nºs. 91-92
(Junho-Outubro de 1992), 93 (Janeiro de 1993) e 94-95 (Abril-Julho de 1993).
Monereau, Michel- Les Secrets Hermétiques de la
Franc-Maçonnerie et les rites de Misraim et Menphis, Paris, Ed. Axis Mundi,
1989.
Naudon, Pzul -Histoire, Rituels et Tuileur des Hauts
Grades Maçonniques, Paris, Ed. Dervy, 3a. Ed. ver. e aum., 1984.
Pernety,
Dom -Rituale alchimico secreto -Rituel alchimique secret du grade de vrai Maçon
Académicien ( composé en 1770 ), reedição das Edizione Rebis, Viareggio,
Itália, 1981.
Solis, Jean
J. -Guide pratique de la Franc-Maçonnerie, Paris, Ed. Dervy, 2001.
Tschoudy, Baron de -L'Étoile Flamboyante, ou la
Société des Franc-Maçons considérée sous tous les aspects (1766), Gutemberg
Reprint, Paris, 1979.
Tshoudy, Baron de- Touts les rituels alchimiques du
Baron de Tschoudy, reedição das Éditions Arma Artis, Paris, s.d.
Ventura, Gastone -Les Rites Maçonniques de Misraim
et Memphis, Paris, Eds. Maisonneuve & Larose, 1986.
Nenhum comentário:
Postar um comentário