domingo, 29 de abril de 2012

Alquimia

Alquimia

Muito falamos sobre a alquimia, mas de modo algum chegamos ao
cerne daquilo que ela realmente é. Podemos simplesmente falar
acerca dela, como que girando ao redor dela e analisando seus
vestígios. Sabemos que cada alquimista tinha seu laboratório. Assim,
vamos partir do espaço de seu trabalho para tentar compreender
como ou o que era a alquimia. A palavra laboratório vem da união de
duas palavras latinas "labor" , que significa trabalho, serviço, ação; e
a palavra "oratio", raiz do termo que hoje se difunde como oração.
Portando, o alquimista é propriamente um religioso, que em seu
fazer desenvolve, ao mesmo tempo, trabalho e oração, ou seja, para
ele não há distinção entre o fazer e o orar, ambos dizem o mesmo.
Deste modo, o trabalho do alquimista é a oração e a oração é seu
trabalho. Todo alquimista se apresenta como um sacerdote para si,
um mediador entre as coisas visíveis e as coisas invisíveis, passando
toda a sua vida em busca de concluir a "grande obra". Mas o que é
a "grande obra"? Seria a transmutação do chumbo em ouro? Ou
então o encontro da pedra filosofal? Quando falamos em alquimia
estamos falando das duas coisas. Se nos aprofundarmos mais neste
estudo vamos perceber que ambas falam do mesmo. A "grande obra"
se apresenta como um processo de transformação, como o caminho
da transmutação. A transmutação física de uma coisa em outra,
partindo de uma atitude interior, de uma transformação interna que
vai culminar com a metanóia (conversão) do próprio alquimista.
Alguns alquimistas apresentam as fazes de sua transmutação
pessoal, mostrando uma escalação de momentos interiores até
chegar a grandeza da transformação exterior. Toda a vida alquímica
é uma busca pela completa transformação do homem velho no
homem novo. O grande alquimista é aquele que consegue fazer-se, a
partir de si mesmo e de suas forças, um homem novo. Muitos no
decorrer de sua vida entendem que a "grande obra" consiste em
transformar o homem-chumbo que se é no homem-ouro que todos
almejam ser. Nesse processo, os tratados alquímicos falam de três
estágios. O primeiro é o Negredo, onde o homem se encontra denso,
sem purificação, momento em que ele trabalha o metal chumbo e o
homem-chumbo. O segundo estágio é o Albedo, momento em que o
alquimista começa a distinguir as coisas, está associado ao elemento
água, que representa sua a purificação e limpeza. Por fim, o terceiro
estágio, o Rubedo, neste estágio o alquimista se encontra com o
metal ouro e faz a síntese interna de toda sua obra. No Rubedo o
alquimista percebe-se transmutado no homem novo.Hoje a alquimia
passa a ser vista num aspecto mágico e taumaturgico, mas não era
esta única expectativa que os alquimistas tinham de seu trabalho. O
pai da alquimia, o Trimegisto, mostrava que o encontro da esmeralda
se dá na busca humana de auto-lapidação para a transformação no
melhor humano que se pode ser.

A Verdadeira Alquimia

A Verdadeira Alquimia

Certa vez um andarilho apareceu numa aldeia da Idade Média. Dirigiu-se à praça central da cidade, anunciou-se como alquimista e disse que ensinaria como transformar qualquer tipo de metal em ouro. Algumas pessoas pararam para ouvi-lo e começaram a proferir gracejos e ridicularizá-lo. O estranho não se abalou com as chacotas, pediu um pedaço de metal e alguém entregou-lhe uma ferradura, um outro ofereceu-lhe um prego. O alquimista então pegou ambas as peças, e ainda sob as risadas dos incrédulos, colocou-as numa pequena vasilha e derramou sobre elas o conteúdo de um frasco que havia retirado de sua sacola. Permaneceu alguns segundos em silêncio e o fenômeno aconteceu: a ferradura e o prego tornaram-se dourados.

Uma sensação de espanto percorreu a multidão que se avolumava cada vez mais na praça. O alquimista levantou as peças de ouro para que todos pudessem admirar a transmutação.

Um ourives presente no local pediu para examinar os objetos e foi atendido. Em pouco tempo, revelou serem as peças de ouro puríssimo como nunca tinha visto. As pessoas agitaram-se e agora queriam ouvir. O alquimista então pegou um grosso livro de sua sacola e disse estar nele o segredo da transmutação dos metais em ouro. Em seguida, entregou o livro a uma criança próxima e partiu tranqüilo. Ninguém o viu ir embora, pois todos os olhos mantiveram-se fixos no objeto nas mãos da criança. Poucos dias depois, a maioria das pessoas possuía uma cópia do valioso manuscrito, assim a receita para produzir ouro passou a ser conhecida por todos.

Contudo, a fórmula era complexa. Exigia água destilada mil vezes no silêncio da madrugada e ingredientes que deveriam ser colhidos em noites especiais e em praias distantes.

No início todos puseram as mãos à obra, mas com o passar do tempo, as pessoas foram desistindo do trabalho. Era muito penoso ficar mil noites em silêncio esperando a água destilar. Além disso, procurar os outros ingredientes era muito cansativo.

As pessoas foram desistindo. E, à medida que desistiam, tentavam convencer os outros a fazerem o mesmo. Diziam que a forma era apenas uma galhofa deixada pelo alquimista para mostrar como eram tolos. Assim, muitos e muitos outros, influenciados pelos primeiros, também desistiram. Mas, um pequeno grupo prosseguiu com o trabalho. Apesar de ridicularizados pelo resto da aldeia, continuaram destilando a água e fizeram várias viagens juntos à procura dos ingredientes da fórmula.

O tempo correu, e a quantidade de histórias divertidas, e de situações que eles passaram juntos, desde que começaram a seguir a fórmula, cresceu. E o grupo dos aprendizes de alquimia tornou-se cada vez mais unido. Converteram-se em grandes amigos. Até que em um mesmo dia, todos que tinham começado juntos, viraram a última página das instruções do livro, e lá estava escrito:

"Se todas as instruções foram seguidas, você tem agora o líquido que, derramado sobre qualquer metal, transforma-o em ouro. Entretanto, agora você já percebeu que a maior riqueza não está no produto final obtido, mas sim no caminho percorrido. O que nos torna infinitamente ricos não é a quantidade de ouro que conseguimos produzir, mas os momentos que compartilhamos com os verdadeiros amigos".

(Autor desconhecido)

Mutus Liber - O Livro Mudo Da Alquimia

Mutus Liber - O Livro Mudo Da Alquimia

Princípios de Alquimia

Alquimia

As Bodas Alquímicas de CHRISTIAN ROSENKREUTZ

AS BODAS ALQUÍMICAS DE CHRISTIAN ROSENKREUTZ - Johann Valentin Andreae

Liber Libræ

O texto a seguir não é especificamente sobre Alquimia, mas traz algumas considerações importantes para o Iniciado ou o Estudante.
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Liber Libræ
Sub figura XXX

A.·.A.·.
Publicação em Classe B

0. Aprende primeiro- Ó tu que aspiras a nossa antiga Ordem! - que o Equilíbrio é a base do Trabalho. Se tu mesmo não tens um alicerce, sobre o que irás tu estar para comandar as forças da Natureza?

1. Saiba, então, que como o homem nasce neste mundo em meio às Trevas da Matéria, e à luta de forças rivais; seu primeiro esforço deve, portanto, ser o de procurar a Luz através da reconciliação delas.

2. Tu então que tens provas e problemas, regozija-te por causa deles, pois neles está a Força, e por meio deles é aberta uma trilha àquela Luz.

3. Como poderia ser de outro modo, Ó homem, cuja vida é apenas um dia na Eternidade, uma gota no Oceano do tempo; como poderias tu, não fossem muitas as tuas provas, purgar tua alma da escória da terra? É apenas agora que a Vida Mais Elevada é assediada com perigos e dificuldades; não tem sido sempre assim com os Sábios e Hierofantes do passado? Eles foram perseguidos e ultrajados, eles foram atormentados por homens; ainda assim sua Glória crescera.

4. Regozija, portanto, Ó iniciado, pois quanto maior for tua prova, maior teu triunfo. Quando os homens te ultrajarem, e falarem contra ti falsamente, não tem dito o Mestre, "Sagrados sois vós"?

5. Ainda assim, Ó aspirante, deixa que tuas vitórias tragam a ti não a Vaidade, pois com o aumento do conhecimento acompanharia o aumento da Sabedoria. Ele que sabe pouco, pensa que sabe muito; mas o que sabe muito descobrira sua própria ignorância. Tu vês um homem sábio em sua própria presunção? Não há mais probabilidade de existir um tolo, do que ele.

6. Não sejas apressado em condenar outros; como conheces aquilo no lugar deles, tu poderias ter resistido a tentação? E mesmo se fosse assim, Porque deverias tu menosprezar aquele que é mais fraco do que tu mesmo?

7. Tu, portanto, que desejas Dons Mágicos, estejas seguro de que tua alma é firme e inabalável; pois é lisonjeando tuas fraquezas que os fracos ganharão poder sobre ti. Rebaixa-te ante teu Self; contudo, não temas nem homem nem espírito. O Temor é o fracasso, e o precursor do fracasso; e a coragem é o início da virtude.

8. Portanto, não temas os Espíritos, mas sê firme e cortês com eles; pois tu não tens direito a desprezá-los ou a injuriá-los; e isto também pode induzir-te ao erro. Domina e bane-os, amaldiçoa-os pelos Grandes Nomes se necessário for; mas nem zombes nem os insultes, pois assim, certamente, tu serás levado ao erro.

9. Um homem é aquilo que ele faz de si mesmo dentro dos limites fixados por seu destino herdado; ele é uma parte da humanidade; suas ações afetam não somente o que ele denomina de si mesmo, mas também a totalidade do universo.

10. Venera, e não negues o corpo físico que é tua conexão temporária com o mundo externo e material. Portanto, que teu Equilíbrio mental esteja acima dos distúrbios dos fatos materiais; vigora e controla as paixões animais, disciplina as emoções e a razão, alimenta as Aspirações Mais Elevadas.

11. Faze o bem aos outros para teu próprio bem, não por recompensa, não pela gratidão deles, não por compaixão. Se tu és generoso, tu não ansiarás que teus ouvidos sejam deliciados com expressões de gratidão.

12. Lembra que a força desequilibrada é perniciosa; que a severidade desequilibrada é apenas crueldade e opressão; mas que também a misericórdia desequilibrada é apenas fraqueza que consentiria e incitaria o Mal. Obra com paixão; pensa com razão; sê Tu mesmo.

13. O Verdadeiro ritual é tanto ação quanto palavra; é Vontade.

14. Lembra que esta terra é apenas um átomo no universo, e que tu mesmo és apenas um átomo disto, e que mesmo tu poderias tornar te o Deus desta terra na qual tu rastejas e te arrastas, que tu serias, mesmo então, apenas um átomo, e um dentre muitos.

15. Contudo, tem o maior auto-respeito, e para este fim não peques contra ti mesmo. O pecado que é imperdoável é rejeitar consciente e intencionalmente a Verdade, recear o conhecimento mesmo que aquele conhecimento não alcovites teus preconceitos.

16. Para obter o Poder Mágico, aprende a controlar o pensamento; admita somente aquelas idéias que estão em harmonia com o fim desejado; e não toda idéia difusa e contraditória que se apresente.

17. O Pensamento fixo é um meio para um fim. Portanto, presta atenção no poder do pensamento silencioso e da meditação. O ato material é apenas a expressão externa de teu pensamento, e, portanto, tem sido dito que "Pensar tolice é pecado". O Pensamento é o começo da ação, e se um pensamento ao acaso pode produzir muito efeito, o que não poderia fazer um pensamento fixo?

18. Portanto, como já tem sido dito, Estabelece-te firmemente no equilíbrio das forças, no centro da Cruz dos Elementos, a Cruz de cujo centro o Mundo Criativo brotou no nascimento da aurora do Universo.

19. Sê tu, portanto, pronto e ativo como os Silfos, mas evita frivolidade e capricho; sê enérgico e forte como as Salamandras, mas evita irritabilidade e ferocidade; sê flexivo e atento às imagens como as Ondinas, mas evita ociosidade e inconstância; sê laborioso e paciente como os Gnomos, mas evita grosseria e avarice.

20. Então, irás tu gradualmente desenvolver os poderes de tua alma, e encontrar te a comandar os Espíritos dos elementos. Por que esteves a convocar os Gnomos para alcovitar tua avarice, tu não irias mais comandá-los, mas eles te comandariam. Abusarias dos puros seres dos bosques e das montanhas para encher teus cofres e satisfazer tua fome de Deus? Rebaixarias os Espíritos do Fogo Vivo para servir a tua ira e ódio? Violarias a pureza das Almas das Águas para alcovitar teu desejo de devassidão? Forçarias os Espíritos da Brisa Noturna para servir a tua loucura e capricho? Saiba que com tais desejos tu podes apenas atrair o Fraco, não o Forte, e naquele caso o Fraco terá poder sobre ti.

21. Na religião verdadeira não há seita, portanto, preste atenção a que tu não blasfemes o nome pelo qual outro conhece seu Deus; pois se tu fazes isto em Júpiter tu irás blasfemar YHVH e em Osíris YChShVCh. Pergunta e tu irás obter resposta! Procura, e tu irás encontrar! Bate, e será aberta a ti!

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Iniciação

Como todo método que conduz à plena realização do Ser, a alquimia se baseia numa iniciação. Não há diferença alguma entre o nascimento eterno, a reintegração e a descoberta da pedra filosofal.
Os mistérios iniciáticos se estabeleceram com o fim de nascer a uma nova vida...

Aquelas almas que estando na busca de seu Deus interior não se conformavam com os ensinos dogmáticos e impositoras estabelecidas vislumbraram a possibilidade de entrar no caminho da iniciação, onde se interrogavam sobre questões metafísicas, próprias de inquietos pesquisadores, sem medo a um castigo, nem a uma condenação nos infernos, impulsionados com a sede de busca que transcende o ceticismo e o materialismo. A iniciação sempre esteve aberta dentro do marco esotérico.

Todos os livros sagrados falam para iniciados, bem como as grandes catedrais, que foram construídas por e para iniciados, eles podiam ver onde aparentemente não tinha nada...

Toda Obra sagrada tem várias interpretações, uma do iniciado, que conhece os mistérios, e outra a do ignorante que observa o dedo, mas nunca mira para onde assinala.

Dissemos que a iniciação é o nascimento ou começo a uma nova vida, nasce-se a uma nova espiritualidade, mas antes que exista um nascimento tem que existir uma morte, neste caso do ignorante, melhor dizendo da ignorância, para dar luz então ao Neófito.

Jesus Saiz Garcia.

domingo, 22 de abril de 2012

HERMETISMO E MAÇONARIA

HERMETISMO E MAÇONARIA
Doutrina, História, Atualidade
Federico González

http://simbolismoyalquimia.com/hermetismo/os-livros-hermeticos.htm

I. OS LIVROS HERMÉTICOS (1)

Para o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, quer dizer, as tradições "do livro", o Antigo, o Novo Testamento e o Corão são a base de sua revelação e o centro ante o qual giram todos seus pensamentos e atividades; de fato, estes textos sagrados são também livros religiosos onde se encontram dogmas e leis morais. Mas este não é o caso de todos os livros sagrados, pois há outros onde os textos, que são tão reveladores como quaisquer, não são tomados com uma unção quase supersticiosa, ou legalista, ou literal, mas sim como um testemunho da luz da sabedoria que se expande em qualquer parte, sem imposições ou limitações de nenhum tipo, e à qual o ser humano deve acessar por sua própria conveniência ao encarnar o papel que corresponde ao Homem Verdadeiro1, ao Anthropos hermético. Tal é o caso do Corpus Hermeticum, conjunto de livros sagrados emanados de uma corrente de pensamento tradicional que se coloca sob a avocação do Deus Hermes, ou Hermes Trismegisto, deidade greco-egípcia, considerada como o deus da Palavra (Verbo, Logos), do Ensino e grande iniciador nos Mistérios da Cosmogonia, psicopompo, cujo patrocínio se estende desde os primeiros séculos de nossa era pelo mundo mediterrâneo, tendo seu núcleo de irradiação em Alexandria, até nossos dias, em tudo o que se pode considerar o Ocidente ou sua área de influência cultural. Assinalaremos que esta corrente de antiga linhagem, pois Hermes é o Deus egípcio Thot e os Hermetica os livros sagrados de Thot, inclui importantes autores da Antigüidade grega, romana e bizantina, assim como foi determinante em personalidades muito destacadas do Islã. Por outra parte, este pensamento percorreu a Idade Média européia e o próprio Corpus Hermeticum foi conhecido entre outros por Bernardo de Tours e Teodorico de Chartres, século XII, este último dado importante, tendo em conta o que a escola desse lugar representou no século posterior e em geral na Idade Média; entretanto é no Renascimento onde este pensamento e os livros da Hermetica adquiriram seu maior significado ao ser o Corpus traduzido por Marsílio Ficino e completado depois por F. Patrizzi, e estes escritos editados pela Academia platônica de Florença que veio substituir histórica e geograficamente o farol luminoso de Alexandria, cujo feixe se perpetuou pontualmente até hoje. Isto por outra parte não se deve estranhar, já que a Tradição Hermética tem inegáveis relações e estreito parentesco com as religiões mistéricas egípcias, gregas e romanas, com Platão e o neoplatonismo, as gnoses não dualistas, e o cristianismo –com os quais compartilha análogos conceitos cosmogônicos e teogônicos, sem excluir as fontes hebraicas e "orientais", em especial a caldéia.

Deve se observar que, ao nos referirmos aos textos sacros, iniciáticos e sapienciais que são tomados de modo "religioso", de forma devota ou de maneira fanática, dogmática, legalista ou literal, não discutimos os textos em si, a maior parte dos quais admiramos e reverenciamos, senão o nível de leitura que se faz deles. Por outra parte esses livros reveladores são transmitidos pelas religiões oficiais dentro de seu aparato, e a difusão desses livros esotéricos justificaria, acaso, a existência de instituições religiosas cujo único fim é levar a autêntica mensagem, de Conhecimento salvífico, ao homem –e portanto sua única função é ligar este com o Espírito, que nele reside–, e entretanto se ocupam de questões materiais (quando se sabe que a matéria não é transcendente) ou sociais, para citar um par de exemplos de inversão

Além disso deve se considerar que, para o leitor atual, queira-o ou não, vítima de uma programação herdada e imposta pela cultura profana, qualquer texto que não siga uma seqüência racional –inclusive explicativa– em suas partes, ou que não inclua geralmente uma tese e uma demonstração, é algo que não tem valor. De fato assim ficariam desqualificados –como o estão para os modernos– todos os textos sagrados universais por desconexos ou absurdos. Essa atitude os leva igualmente a encontrar contradições na letra, o que vez por outra ocorre, embora muitas delas sejam aparentes; o mesmo quando se acusa de vago ou confuso algum livro, pois nem sempre o é com outros parâmetros mais abertos de juízo. Na realidade o que se busca é algo fixo e oficial e daí a repulsa, quando não a fobia, aos textos chamados apócrifos, e ainda aos simples manuscritos –que passaram por numerosos copistas em diferentes épocas e línguas–, e também a desconfiança que pode produzir uma literatura não datada com exatidão; igualmente se deve assinalar o preconceito ou o temor a respeito de tudo aquilo que é anônimo.2

Mas o curioso é que esta atitude inconsciente se encontra presente na obra dos críticos, e ainda na dos comentaristas desses textos que, de fato, são as pessoas que mais trabalharam com eles, e se dá o paradoxo de que, por outra parte, muitos estudiosos de livros sapienciais, de Conhecimento, e obras sagradas transmitidas e repetidas pela Tradição são lidos com condicionamentos culturais, religiosos, científicos (universitários) e particulares, ao ponto de que estes comentaristas não captam em última instância o pensamento que estudam e comentam. O melhor exemplo disto se constitui na obra de Platão: por um lado seus "estudiosos" se queixam de sua obscuridade "teórica", agravada por sua expressão em forma de diálogos que incluem diferentes pontos de vista sobre a cosmogonia e opiniões divergentes sobre algum tema –exemplo que imitam de forma bitolada–, por outro não encontram em sua obra –e pensamento– algo fixo que possam classificar, ou proposições lógicas, mas sim em alguns fragmentos que nem sempre encaixam com os outros, ou a seu parecer se contrapõem. Por isso todo o aparato crítico e filológico que elaboram, que de um ponto de vista é muito valioso (estabelecimento de textos, traduções, notas eruditas), necessário, útil e esclarecedor num aspecto horizontal, é desde outro completamente nulo, já que não constitui, na maioria dos casos, uma hermenêutica, e nem sequer uma exegese da obra, assunto que não figura em suas intenções embora seja o mais importante; ainda mais quando não são capazes de compreender que a linguagem em que estão escritos é precisamente o da metafísica, sempre evasivo.

O Corpus Hermeticum, e os textos de tipo filosófico nele incluídos (sem desprezar o corpus astrológico-mágico que corre paralelo) sofreram uma estranha sorte no curso da história. Mencionados calorosamente nos primeiros séculos do cristianismo por autores esotéricos e filósofos, passam à Idade Média onde conservam seu prestígio entre teólogos e sábios (tal como a vertente astrológico-mágica: Picatrix, Turba Philosophorum) e chegam ao Renascimento –via G. Pletón, e o grego ortodoxo Bessarion, ambos ligados aos ensinos do bizantino Miguel Pselos–, onde a Academia de Florença, dirigida por Marsílio Ficino, consagrá-los-á publicando-os em tradução do próprio Ficino, por encargo de Cosme de Médicis, ao mesmo tempo em que as obras de Platão. Posteriormente, F. Patrizzi (que faz de Hermes um contemporâneo de Moisés, e o mesmo pensa de suas obras), "publicou seu 'Nova filosofia universal', acompanhando a de uma versão do Corpus Hermeticum segundo o texto grego de Turnèbe e Foix de Candale, do qual levou a cabo uma nova tradução ao latim, assim como do Asclepius e de alguns dos Hermetica conservados por Estobeu, com a correspondente versão latina de tais textos. Deste modo, Patrizzi recolheu em dito volume a mais extensa coleção da Hermetica que jamais se reuniu até então e tomou como base para a construção de sua nova filosofia" (F. Yates, Giordano Bruno y la Tradición Hermética. Ariel, Barcelona 1983). Sabe-se que foi tanto o encontrado nestes textos pelos criadores do Renascimento (filosófico, escultórico, pictórico, artesanal, científico, etc., etc.), quer dizer, os sábios autores de seu movimento revolucionário antes que a facção de pensamento "humanista" triunfasse sobre a corrente hermética (assunto que não podemos espraiar aqui mas que está vinculado de todas as maneiras com a doutrina dos ciclos), que inclusive chegaram a pensar que estes textos eram, por ser os mais sapienciais, os mais antigos (prisca theologia) e deles derivavam os do Moisés, Orfeu, Pitágoras, Platão, etc., e seu conteúdo revelava os ensinos de Hermes-Noûs, quer dizer, da Mente Divina.3

De fato, como se vê, estes textos inspiradores do Renascimento, junto com Pitágoras, Platão, os neoplatônicos, a cabala hebraica, as ciências da natureza, a magia natural e a Antigüidade egípcia, grega e romana, moldou a cultura desse período, e de algum jeito a nossa, a contemporânea, pois através do Renascimento estes livros e seu conteúdo seguiram vivos até nossos dias, manifestados por uma corrente hermetista que inclui à alquimia, sempre espiritual, em seu conjunto, e todas as ciências que invoquem a paternidade ou o amparo de Hermes ou estejam vinculadas a essa transmissão tão singular de energias e simpatias, cujo pensamento os Hermetica em seu conjunto expressam com claridade, já que o próprio Hermes é tomado como o mantenedor da sabedoria oculta e seu transmissor, e seu nome deve ser considerado mais como o de uma influência espiritual, que o de uma pessoa.

Por isso o Renascimento venerou estes textos e praticou sua filosofia; pois a Beleza, a Inteligência e a Sabedoria neles contida é uma mensagem repetida de uma ou outra maneira por todas as gnoses, já que deriva de uma Tradição Unânime, polar, quer dizer, vertical, à qual o homem pode ter acesso conforme o indicam estes mesmos textos. A adequação da sociedade renascentista aos Hermetica marcou o esplendor histórico deles, junto com os ensinos pitagóricos, platônicos, neoplatônicos, cabalísticos e cristãos4 com os quais coincidem em muito numerosos pontos, sem que nenhum deles seja necessariamente "sincrético" tal qual como se entende hoje esse vocábulo

Daí que nos pareça muito injusto o tratamento que certos eruditos modernos, ou racionalistas de tipo "grego clássico", ou com preconceitos cristãos, ou "gramáticos", todos influenciados pela visão literal do mundo moderno, dispensaram a estes escritos, aos quais subestimam por serem fragmentos diz que desconexos, ou obscuros, ou contraditórios, sem pensar que todos os livros sagrados têm as mesmas características e sem ver os constantes resplendores de luz, doutrina e poesia que brotam de seus textos. Acreditam que talvez a datação exagerada e acaso a supervalorização destes livros no Renascimento, assim que não só eram comparados vantajosamente com a Bíblia –à qual eram anteriores– mas também quase com qualquer outro escrito, tenham determinado em grande parte sua desvalorização posterior, já que uma vez que Isaac Casaubon em 1614 descobriu o engano de datação mediante um estudo filológico e estilístico de suas partes e o situou nos primeiros séculos do cristianismo, o Corpus Hermeticum começou a ser relegado e menos considerado, quase culpado de uma fraude e de uma brincadeira histórica que deviam pagar os próprios escritos, e cuja condenação devia ser o esquecimento, quando não o desdém.5

Assim é como o padre A. J. Festugière, tradutor do Corpus Hermeticum e autor da obra em quatro tomos La Révélation d'Hermès Trismégiste 6 e uma autoridade na matéria cujo mérito é indisputável, fala de uma contradição no pensamento fixado nos Hermetica, que, inclusive, está presente na obra de Platão. Por um lado assinala que uma doutrina inserida neles admite que o mundo está penetrado pela divindade e portanto é belo e bom e a contemplação desse mundo, obra divina, é uma aproximação a seu Criador. Pelo outro observa que nos textos também o mundo criado aparece como mau, não sendo a Obra do Primeiro Deus, mas sim do Demiurgo, seu filho, a segunda pessoa da Divindade, um Deus tão terrível como é terrível a Criação sujeita a destruição, enfermidade, velhice e morte. De fato, só no ânimo do P. Festugière existe esta contradição que só é justificável no âmbito de uma mente racionalista. Por que nesta dupla percepção, que chama "doutrina", seria incompatível e excludente um dos termos com respeito ao outro? Nas "doutrinas" de todos os povos se fala de uma dupla natureza no homem, que por isso é o intermediário entre céu e terra. Como qualquer cristão sabe, trata-se da distinção entre a parte mais sutil, associada ao espírito, e a mais grosseira, vinculada com a matéria. Isto que é reconhecido no microcosmo é válido para o macrocosmo. E a maravilhosa criação, a Obra de um Ser Infinito, não é incompatível com um cárcere em que o Espírito e a deidade se acham presos; tampouco uma forma de ver diferente e simultânea do mundo tem por que associar-se necessariamente com algo tão mutável como uma visão "otimista" ou "pessimista". É mais, se não fora por esta prisão cósmica, a Revelação Hermética e o caminho que propõe (assim como sua cosmogonia) não teriam razão de existir, e inclusive seria nulo o Mundo Intermediário; mais quando se pensa em Hermes como um psicopompo, ou o que é o mesmo, em Poimandres como um Pastor capaz de nos liberar, ao ponto de tornar o cárcere em nossa casa, e ordenar nossa saída do cosmo. Por outra parte, a queda do homem contemporâneo sumido nas trevas, que prefere à luz, está descrita nestes livros na Koré Kosmou e o Apocalipse de Asclépio que anunciam para o Egito Mítico, Centro do Mundo, uma total inversão dos valores.7

Mas o mais importante é que esta dualidade do que voa e do que repta, ou das trevas e a luz, está inscrita no coração mesmo da deidade, que constantemente conjuga os opostos produzindo a harmonia cósmica, pois "tudo deve resultar da oposição e da contrariedade: e é impossível que seja de outro modo" (X,10). Entretanto o Deus-Noûs não tem nome, é mais, é incognoscível e não se pode aplicar-Lhe nenhuma determinação, aparecendo só de maneira racional em termos negativos, o que faz ao Conhecimento Divino um paradoxo imensamente majestoso.

O homem é pois mediador, não só em sua função central mas também como um pequeno demiurgo numa criação que sempre existiu e que se encontra permanentemente inacabada, viva, em constante metamorfose e que ele pode transformar, já que aparece como o ponto ou a unidade onde convergem todas as energias criacionais, coroando e dando sentido ao plano divino ao restabelecer os contatos que revelam as analogias, pois o mundo sensível se reflete no inteligível como o inteligível no sensível. Tudo isso graças a uma rede onde o Amor é o protagonista e o matrimônio (Hieros Gamos) entre o Céu e a Terra uma cópula perpétua. O que é equivalente em outro simbolismo a uma cadeia de iniciados (O fio de Ouro) que se transmite do Noûs ao Poimandres, deste a Hermes, d Hermes a Tat e deste a todos os Adeptos e teurgos da tradição Hermética. Daí que o Corpus Hermeticum constitua uma revelação e que a só compreensão de seus enunciados conforme uma Gnose, dado que somos a matéria do que conhecemos e o Verbo Primitivo se manifesta no humano possibilitando o surgimento do homem pneumático, paradigma do iniciado, que sabe ler os sinais da natureza e os símbolos mutáveis de sua aventura cósmica, adequando-se às circunstâncias de sua viagem, que se assemelha ao Conhecimento, e que o texto do Corpus Hermeticum transmite.

O Conhecimento, ou seja, a Realização Espiritual, está tão longe da religião como da magia, segundo estes termos são entendidos normalmente pelo mundo moderno; e mais: estas soem constituir-se em inimigos implacáveis num processo iniciático. Conta disso dão-nos o judaísmo sionista, o cristianismo integrista e o islamismo fundamentalista. Nada a dizer da literalidade da magia chamada cerimoniosa (sempre sujeita à dualidade causa-efeito) com respeito às tradições arcaicas que utilizavam as fórmulas, encantamentos e talismãs num contexto de crenças e símbolos cosmogônicos grupais, nunca isolados de sua razão de ser última, e igualmente com respeito à "magia natural" renascentista e que são autenticamente as correspondências e analogias como veículos de acesso à cosmogonia, à ontologia e à metafísica, quer dizer, a Via Simbólica em sua verticalidade ascendente, que se manifesta no microcosmo como diversos estados do Ser Universal. Deve se dizer que as palavras religião e magia, tomadas em seu sentido mais amplo e esotérico, podem ser válidas, como é o caso em certos autores de língua inglesa, onde o costume as utiliza sem muita precisão; inclusive nesse idioma os termos misticismo e ocultismo têm um significado geral que o uso de algum jeito legitima. Entretanto em matéria de doutrina, quer dizer, da própria compreensão intelectual de tais conceitos, é necessário os redefinir já que podem significar idéias diametralmente opostas ao que verdadeiramente expressam e negar a intuição da Suprema Identidade, e obstaculizar o trabalho dos aprendizes da Ciência Sagrada.

No Renascimento e na Tradição Hermética em geral (assim como nas arcaicas) sublinha-se a figura do teurgo como ideal do Homem de Conhecimento (ainda que não seja um "erudito" e, inclusive, não saiba ler ou escrever), a do Adepto, a do Filósofo ou Artista, a do Mestre Construtor mas nunca a do monge, frade ou religioso, embora alguns deles o tenham sido. Como se vê, a Teurgia, às vezes involuntária, ou melhor, sem fins concretos ou específicos, está incluída no processo alquímico; na maioria dos casos este não passa pela religião, onde paradoxalmente se encontram também os símbolos do Conhecimento e onde se refugiam os que, por um ou outro motivo não podem alcançá-lo por si mesmos, ou seja, aqueles aos quais a graça que lhes coube não lhes permite transcender este nível, muitos dos quais, em lugar de aceitar suas limitações com serenidade, pretendem fazer das "grandes religiões" o meio ou caminho oficial do metafísico, o que é um engano que valoriza o menos e o confunde com o que é mais.

Neste sentido, deve-se observar que os livros da Hermetica são emanados num meio e num tempo onde a Teurgia e a Filosofia de mãos dadas, a tal ponto que a figura do sábio e do mago, ou melhor, do teurgo, identificavam-se, e onde os textos pertencentes ao Corpus Hermeticum aparecem simultaneamente com outros manuscritos e autores, como é o caso de um grande conjunto de coleções com fórmulas e receitas mágicas, medicina, astronomia-astrologia, e alquimia, que ainda hoje se conservam, e que se acham colocadas sob a avocação de Hermes, ou Mercúrio, ou Hermes-Trismegisto, consistentes sobretudo em correspondências e analogias entre os astros, o ser humano, o reino mineral, vegetal e animal e outras práticas rituais individuais relacionadas com a cosmogonia, o plano intermediário e as ciências da natureza. Festugière estabelece aqui também uma dupla divisão entre magia popular e a filosofia do Corpus Hermeticum; a título provisório parece aceitável essa divisão enquanto tudo que é relacionado com a magia e com as práticas rituais é muito apreciado e sentido por uma grande quantidade de pessoas, cuja compreensão dos símbolos, mitos e ritos é muito relativa, embora participem também destes ensinos; mas acreditam que essa divisão pode tomar-se em conta caso se faça sob a condição de que, na Tradição Hermética, a corrente "popular" e a "filosófica" se encontrem indissoluvelmente unidas, como os livros "populares" o estão com o Corpus Hermeticum conforme pode apreciar-se –para citar só um exemplo– quanto ao tema da unidade da matéria. Nomearemos aqui uma série de livros e textos que pertencem a estes Hermetica, chamados astrológicos ou mágicos e que não foram ainda objeto da atenção necessária pelos estudiosos, o que seria de grande interesse. Um Livro das Tinturas Naturais atribuído a Hermes, conhecido através das entrevistas e comentários que faz Zósimo em sua Conta Finale que dá a impressão de ser mais um tratado sobre o simbolismo da cor e seus significados múltiplos que um tratado prático sobre tingimento, dada a óbvia impossibilidade de conseguir certas tintas em determinados materiais; O Transe de Salomão que começa com uma contagem de nomes sagrados que Hermes Trismegisto tinha gravado em hieróglifos e que se ocupa também da fabricação de talismãs conforme dados astrológicos, sejam estes estatuetas ocas de Hermes ou algumas outras, que deviam possuir em seu interior um encantamento escrito sobre um papiro, como foi o caso do descobrimento do texto da Tábua de Esmeralda. Especial atenção deve se prestar ao Liber Hermetis Trismegisti, considerado principalmente um tratado astrológico (como o Monomoirai, referente aos deuses de cada um dos 360 graus do Zodíaco, e que não se conserva, mas cujo tema constitui entretanto o cap. 25 do Liber), tradução latina de um florilégio grego do Séc. V que contém ensinos mais antigos de caráter egípcio, que se pensa terem sido retocados no Séc. II-III d. C., procedentes de um grande corpus integral astrológico hermético articulado na época ptolomaica, entre as quais a que se refere aos decanatos (presente nos textos que se guardavam nos templos desde 3.000 anos a.C., e tratada também no Extrato VI de Estobeu); por outra parte, este manuscrito passou diretamente através dos gregos ao ocidente medieval sem a participação dos árabes, como foi pelo contrário o caso do Picatrix e da Turba Philosophorum; outro tratado astrológico, como seu nome o indica, é: Sobre a dominação e a potência dos doze lugares. Vários volumes sempre baseados na idéia do movimento dos astros em relação com os elementos cósmicos e as simpatias secretas que os unem, tratam sobre medicina e receitas com elementos minerais, vegetais e animais que devem ser invocadas e combinadas de acordo a tempo e lugar com respeito à relação própria de cada astro com o operador, em virtude da íntima relação entre o macro e o microcosmo. Tal o caso do Livro sagrado de Hermes a Asclépio e outros textos. Adicionaremos o De XV herbis lapidibus et figuris, atribuído a Enoque; igualmente o De XV Stellis, escrito por Hermes (recebido por via islâmica) chamado deste modo em alguma ocasião Quadripertitum Hermetis (pelo quaternário dos temas: estrelas, pedras, plantas e talismãs, e um prólogo sobre as virtudes do número 4), também atribuído a Enoque em uma de suas formas resumidas. A estes títulos devem somar-se Iatromathematika de Hermes a Ammón o egípcio e as Kyranides, de Hermes, ao que lhe outorga bastante importância, e que principalmente trata sobre a atração e a repulsão, ou seja, as simpatias e antipatias que animam o cosmo; menção à parte merece o manuscrito egípcio de Leyden, escrito em demótico e grego, encontrado em Tebas no ano de 1828, dividido em duas partes que se conservam uma na cidade do mesmo nome e outra no Museu Britânico, cujo conteúdo, de fórmulas oraculares e mágicas, medicinais e botânicas, constitui um claro exemplo desta literatura hermética, na qual não faltam nem a astrologia, nem os lapidários e bestiários; igualmente Os sete capítulos ou livros de Hermes serão referência de numerosos hermetistas e textos de alquimia medievais e renascentistas e tem sido editado até hoje.8 De outros livros similares há também referencias em outros textos, embora ainda não tenham sido encontrados os originais em questão. Há autores que soem adicionar aos Hermetica as obras de Bolos de Mendes, os escritos de Zósimo, de Sinesius, de Olimpiodoro e de Stephanus da Alexandria produzidos do II ao VII séculos de nossa era; igualmente o corpus dos alquimistas gregos e os numerosos fragmentos alquímicos de Hermes que o conformam.9 Também devem ser mencionados os textos chamados Definições, ou De Hermes Trismegisto a Asclépio, textos armênios publicados pela primeira vez, junto a uma tradução ao russo em 1956, e que P. Mahe, que os estudou, situa no primeiro século anterior à era cristã, que embora tenham o mesmo título que o livro XVI do Poimandres, trata-se de textos distintos.


Os Livros Herméticos II
NOTAS
1 Seria muito saudável que assim pudessem ser lidos certos livros bíblicos como os de Moisés, das profecias, dos salmos, dos de sabedoria, dos evangelhos (especialmente o de S. João), São Paulo, etc., tal como são e como foram escritos, sem nenhuma conotação dogmática a respeito.
2 Costumou-se criticar o Corpus Hermeticum, não só o Poimandres, que seu texto é às vezes confuso, quando não contraditório ou devido à mão de vários autores. A respeito, queremos citar a introdução ao Evangelho de São João, publicado na Bíblia de Jerusalém (Desclée de Brouwer, Bilbao 1984): "É bastante difícil descobrir o plano preciso segundo o qual quis São João expor este mistério de Cristo. Notemos acima de tudo que a ordem em que se apresenta o evangelho oferece certo número de dificuldades: sucessão difícil dos caps. 4, 5, 6, 7 1-24; anomalia nos caps. 15-17 que vêm depois da despedida 14 31; situação fora do contexto de fragmentos como 3 31-36 e 12 44-50. É possível que estas anomalias provenham do modo como se compôs e editou o evangelho: na realidade, seria o resultado de uma lenta elaboração, com elementos de épocas diversas, retoque, adições, diversas redações de um mesmo ensino, havendo-se publicado definitivamente não pelo mesmo João senão, depois de sua morte, por seus discípulos, 21 24; estes teriam inserido na trama primitiva do evangelho fragmentos joânicos que não queriam que se perdessem e cujo lugar não estava rigorosamente determinado."
3 Para este e outros temas ligados a Hermes e aos livros herméticos ver os muito valiosos estudos de Antoine Faivre, especialmente: The Eternal Hermes, from Greek God to Alchemical Magus, Phanes Press 1995, Grand Rapids (MI) USA; do mesmo modo, de A. Faivre e colaboradores (M. Sladek, P. Lory, M. Allen, C. Vasoli, I. Pantin, J. Telle), Présence d'Hermès Trismégiste, Ed. Albin Michel, "Cahiers de l'Hermétisme", Paris 1988.
4 O cristianismo em geral e o catolicismo em particular, jamais atacou ou censurou o conteúdo do Corpus Hermeticum; pelo contrário, foi conhecido e utilizado em algumas ocasiões por seus próprios teólogos e muitos de seus sacerdotes.
5 Em grande parte a importância dos livros Herméticos vem por Thot ser o escriba divino e o Deus da escritura; alguns autores do final de século e princípio deste como Frederic du Portal e E. A. Wallis Budge estudaram a relação entre os hieróglifos egípcios e distintas formas de expressão gráfica. Ver para este tema das linguagens simbólicas herméticas: The Alphabetic Labyrinth: The letters in History and imagination, Johanna Drucker, Thames and Hudson, N. York 1995; logicamente também Principes Généraux de l'Écriture Sacrée Égyptienne, J. F. Champollion. Institut d'Orient, Paris 1984.
6 Ed. Les Belles Lettres. París 1989.
7 "… posto que convém aos sábios conhecer por antecipação todas as coisas futuras, há uma que é necessário que saibam. Virá um tempo em que parecerá que os egípcios honraram em vão seus deuses, com a veneração de seu coração, mediante um rito assíduo: toda sua sagrada adoração fracassará, ineficaz, será privada de seu fruto. Os deuses, deixando a terra, retornarão ao céu; abandonarão o Egito; esta comarca, que foi antigamente o domicílio das sagradas liturgias, viúva agora de seus deuses, não desfrutará mais de sua presença. Estrangeiros encherão este país, esta terra, e não somente já não se tomará cuidado das observâncias, mas sim, coisa mais penosa, será estatuído por pretendidas leis, sob pena de castigos prescritos, abster-se de toda prática religiosa, de todo ato de veneração ou de culto para os deuses. Então esta terra muito santa, pátria dos santuários e templos, ficará inteiramente coberta de sepulcros e mortos. Oh, Egito, Egito! Não ficará de seus cultos mais que lendas e seus filhos, mais tarde, nem sequer acreditarão nisso…" (Asclépio, 24). "Os homens arrancarão as raízes das plantas e examinarão as qualidades dos sucos. Escrutarão as naturezas das pedras e abrirão de cima a baixo àqueles viventes carentes de razão; que digo, dissecarão a seus semelhantes, em seu desejo de examinar como foram formados. Tenderão suas audazes mãos até o mar e, abatendo os bosques que crescem por si mesmos, transportar-se-ão uns aos outros de margem à margem até as terras que estão além. Investigarão inclusive que natureza se oculta no fundo dos santuários inacessíveis. Perseguirão a realidade até no alto, ávidos de conhecer por suas observações qual é a ordem estabelecido do movimento celeste. Mas ainda isto será pouco." (Extratos de Estobeu, XXIII 45).
8 Los Siete Capítulos de Hermes. Ed. Atalanta, Mataró, Barcelona 1995. Também El Papiro de Leyden, mesmo editora e ano. E o Tratado de los Talismanes o Figuras Astrales (1658), Obelisco, Barcelona 1995.
9 Para mais informação e referências bibliográficas e inclusive tradução de textos, ver Festugière: La Révélation d'Hermès Trismégiste, T. I.

MAÇONARIA E ALQUIMIA

MAÇONARIA E ALQUIMIA

FRANCISCO ARIZA

http://hermetismoymasoneria.com/pmaconaria_e_alquimia.htm

Em sua importante obra Hermetismo e Maçonaria, e mais concretamente no capítulo II entitulado "Tradição Hermética e Maçonaria", Federico González afirma que entre os amigos da Filosofia Hermético-Alquímica se costuma dizer

"Que o último grande Alquimista (e escritor sobre estes temas) foi Ireneo Filaleto no século XVII. Isto é bastante exato de uma perspectiva, só que não se toma em conta com toda claridade que a partir dessa data não se interrompe esta Tradição até o presente, mas sim se transforma, e muitíssimos de seus ensinos e símbolos passam à Maçonaria, como transmissora da Arte Real e da Ciência Sagrada, tanto nos três graus básicos como na hierarquia dos altos graus."

Estas palavras assinalam com toda claridade que a antiga Maçonaria foi a receptora, ao longo de todo esse período chamado de "transição", entre os séculos XVI e XVII, de um importante simbolismo hermético-alquímico, que vai ser decisivo para o surgimento da Maçonaria especulativa, que se concretiza em começos do século XVIII. A partir desse momento, pode se falar de um Hermetismo maçônico que, de algum jeito, constitui o eixo doutrinal que vertebra essa nova Maçonaria, e que se conjuga perfeitamente com a herança da antiga Maçonaria medieval, que continua estando presente através do importante simbolismo construtivo e das ferramentas que lhe são inerentes, conservando também sua forma e sua estrutura institucional através de seus antigos usos e costumes.

Fazendo um parêntese, devemos dizer que as relações entre a Maçonaria e a Alquimia, ou melhor a Tradição Hermético-Alquímica, vêm de tempo muito antigo, antes inclusive da Idade Média, época em que os maçons construtores realizam suas grandes obras em pedra, tanto igrejas românicas como catedrais góticas, mas também obra civis, como castelos, palácios, etc., e é obvio começam a construir os grandes centros urbanos de acordo a uma estrutura que tinham herdado dos Collegia fabrorum romanos, e que se continuaria durante o Renascimento, estrutura que obedecia em seus traços essenciais a uma imitação do modelo cósmico, que também estava refletido na catedral e na planta românica, e que se conjugava com outras tradições muito mais antigas que se remontavam inclusive à pré-história, aos construtores megalíticos, e é claro, principalmente, à outra grande herança vinda do Oriente: a dos construtores do Templo de Salomão, ou Templo de Jerusalém, mostrando-se assim o vínculo com a tradição judaica, e mais especialmente com seu esoterismo, quer dizer com a Cabala. Acrescentaremos neste sentido que o desenho do Templo de Salomão, ou melhor sua estrutura interior, e a Idéia que a configurou, plasmar-se-á também na catedral cristã, e certamente formará parte da arquitetura ocidental ao longo de todo o Renascimento como uma imagem da Cidade Celeste, sendo a partir do século XVIII que essa estrutura, e essa Idéia, passará a formar parte da Loja maçônica.

Tanto na herança vinda dos Collegia fabrorum, como na que procedia do Templo de Salomão, estava presente a Tradição Hermética, que é propriamente falando a Tradição do Ocidente, pois reúne em seu corpo simbólico e doutrinal o legado sapiencial grego-egípcio e romano, que se concentrou especialmente na Alexandria dos primeiros séculos de nossa era, dando como fruto, entre outras obras importantes, o Corpus Hermeticum, conjunto de livros e textos inspirados diretamente pela deidade que dá nome a esta Tradição: Hermes Trismegisto, o Thot egípcio. Esse legado se nutriu também das correntes gnósticas, tão cristãs como judaicas, e de todo esse conjunto de ensinos sustentados na Magia Natural, na Astrologia e na Alquimia próprias das tradições milenárias vindas tanto do Oriente Próximo como de toda a planície mediterrânea, herdeiras em realidade de uma Ciência Sagrada e de uma Tradição Unânime que esteve presente em todos os povos, culturas e civilizações do mundo inteiro desde tempo imemorial.

Não deve, pois, resultar estranho que em muitas dessas edificações, tanto medievais quanto renascentistas e outras posteriores, que manifestavam de maneira evidente a "Harmonia Mundi" através de uma verdadeira Geometria filosofal, apareçam gravados na pedra e outros materiais um sem fim de símbolos que fazem alusão à Alquimia e às distintas fases da Grande Obra da transmutação interior, e é obvio a presença em qualquer parte de um simbolismo astrológico-astronômico que denotava claramente o fato de que os maçons construtores e os alquimistas, astrólogos, magos e teurgos realizavam seu trabalho conjuntamente, pois em realidade todos eles pertenciam a uma mesma "cadeia áurea" que tem em Hermes Trismegisto, Pitágoras e seus Platão "pais fundadores".

Precisamente esta noite queremos falar de como efetivamente existe uma clara correspondência entre o simbolismo alquímico e o simbolismo maçônico, sem entrar em desenvolver tudo o que o tema dá de si, que é certamente muitíssimo, mas tão só apontar algumas ideias básicas que vêm dadas de forma natural com tão somente meditar com certa atenção no rico simbolismo alquímico e maçônico. Evidentemente tampouco careceria de interesse investigar como se gerou essa mutação que deu nascimento à Maçonaria moderna, quais foram as influências que, por exemplo, serviram para que aquele ou aqueles desconhecidos autores maçônicos do século XVIII elaborassem a lenda de Hiram e do ritual do terceiro grau, tal qual chegou até nossos dias, que é essencial em toda a Maçonaria, pois não existe Rito que não tenha essa lenda e esse ritual, até com os matizes e pequenas diferenças que se queira, formando parte de seus ensinos mais elevados e profundos.

Neste sentido se assinalou que o autor, ou autores, da lenda de Hiram, tal qual se psicodramatiza no ritual do terceiro grau, é muito provável que se inspirou em uma obra hermética do século XVII entitulada Septimana Philosophica, do médico alquimista e rosa-cruz Michel Maier (autor deste modo da Atalanta Fugitiva, entre outras obras importantes), escrita em forma de diálogo e cujos interlocutores são o rei Salomão, Hiram e a rainha de Sabá 1. Neste contexto surge também a figura do Tubalcain, que segundo os Old Charges, ou Antigos Deveres, foi o inventor da metalurgia e um dos fundadores míticos da Maçonaria junto a sua irmã Noemá (inventora da arte do tecido), e seus irmãos Jabal (inventor da Geometria) e Jubal (inventor da Música). Tubalcain, que tem também um papel relevante no ritual do terceiro grau, aparece como um antepassado de Hiram e pertencente, como ele, a uma tradição antiqüíssima relacionada com a Arte metalúrgica, e portanto com evidentes vinculações com a Alquimia, que utiliza justamente o simbolismo metalúrgico, e o fogo a ele inerente como elemento ativo e transformador da matéria, para exemplificar os processos de transmutação e purificação interior. E não deixa de ser interessante, além disso, que este antepassado de Hiram, Tubalcain, apareça em certos textos alquímicos também do século XVII tendo em suas mãos o esquadro e o compasso, ferramentas maçônicas por excelência, recordando assim ao Rebis hermético de Basilio Valentino e João Daniel Mylius, que sustenta também em suas mãos estas duas ferramentas.

Enfim, como dissemos é este um tema extremamente interessante e que aos maçons brinda a excelente oportunidade de conhecer mais em profundidade sua Venerável Tradição, herdeira dos Antigos Mistérios, e cujo lema mais importante é aquela sentença que já figurava no frontispício do templo de Apolo em Delfos: "conhece-te a ti mesmo". Diremos que esse Conhecimento é gradual e necessita de uma didática e de um ensino que vem dado efetivamente através do percurso pelos três graus maçônicos: aprendiz, companheiro e mestre, que sintetizam na realidade todos os graus iniciáticos, chamado-los altos graus, que recolhem também numerosos ensinos herméticos e alquímicos, e nos fazem ver que na realidade, e como deixávamos vislumbrar anteriormente, a Maçonaria atual forma parte integrante da Tradição Hermética, e reproduz através do desenvolvimento de todos seus graus as etapas da Grande Obra Alquímica, análoga igualmente ao processo de criação do Cosmo, como mais adiante veremos.

Por outro lado esta expressão, "conhece-te a ti mesmo", encerra todo o sentido da Maçonaria como via iniciática, palavra que como todos vocês sabem indica a aspiração no homem de empreender ou iniciar o caminho para a busca de sua verdadeira identidade, de seu autêntico "Eu", ou como se diz na tradição hindu, de seu autêntico Si Mesmo. Para a Maçonaria, o ser humano, em seu estado ordinário, ou "profano", não se conhece apenas, não sabe quem é em realidade, de tal maneira que nesse estado vive uma existência completamente "exterior" ao que é sua verdadeira Essência, aquela que na Maçonaria recebe o nome de Grande Arquiteto do Universo. Recordemos que a palavra "profano" quer dizer "fora do templo", aludindo o templo à "casa do Pai", quer dizer o lugar de nossa origem, a terra nutriz espiritual, a pátria celeste, ou a Loja maçônica "do Alto" de que se fala na Maçonaria, que um dia abandonamos porque sobreveio em nós o esquecimento, essa terrível enfermidade da alma que se cura invocando à Memória, a Mnemósyne, que os gregos consideravam uma deusa.

Aos que empreendiam esse caminho, o caminho do auto-conhecimento, antigamente se lhes chamavam "peregrinos", ou "estrangeiros" que deve ser o mesmo, e percorriam as sendas do mundo e da vida como um símbolo de sua viagem interior para a "casa do Pai", sendo precisamente as etapas dessa viagem o processo que ia assinalando a recuperação de sua memória arquetípica. Isto que dissemos não é uma licença mais ou menos poética, mas uma realidade recorrente na vida do homem sempre e que se pode expressar como queremos, mas que tem que ver com o encargo de um fato incontestável: a fragilidade da existência humana, a percepção clara de que verdadeiramente nosso passo pela vida é justamente isso: uma passagem, um trânsito entre nosso nascimento e nossa morte, e é sob a denominação de "estagiários" como também se denominavam antigamente aos construtores que viajavam de cidade em cidade deixando na pedra os rastros de sua Arte Real.

De fato, e se repararmos nisso com certa atenção, a própria existência de qualquer coisa ou ser tem algo de ilusório e de evanescente, que lhe vem de sua própria "provisoriedade", de "estar de passagem", e assim no-lo fazem ver os ensinos iniciáticos e esotéricos de qualquer tradição. Mas precisamente o dar-se conta deste fato, com tudo o que significa, empurra-nos a procurar o sentido de nossa própria existência, quer dizer sua razão de ser, o princípio do que ela depende e que evidentemente não tem que estar fora de nós, pois se fosse assim, sequer nos formularíamos a pergunta fundamental e com a que em realidade dá começo a busca para a verdadeira identidade: quem sou?

"Ouvi-me, poderosos liberadores! (Exclama o neoplatônico Proclo aos deuses em seu Hino IV). Concedei-me, pela compreensão dos livros divinos e dissipando a trevas que me rodeia, uma luz pura e Santa a fim de que possa compreender com claridade o Deus incorruptível e também o homem que eu sou".

É inegável que a resposta a essa pergunta sobre nossa identidade tem que vir através do que Platão denomina a anamnesis, a "reminiscência", ou seja "a lembrança de si", que pode ir-se dando pouco a pouco, ou de uma vez por todas, ou combinando ambas as experiências, pois de fato é assim como ocorre na realidade, já que a "revelação é coetânea com o tempo", e essa possibilidade sempre vem dada pela graça de Mnemósyne, e de suas filhas as Musas, que inspiram no "peregrino" seu canto liberador e lhe fazem partícipe do mistério e da harmonia do Cosmos. Conta Platão que a alma humana ao vir a este mundo "esquece" qual é sua verdadeira origem, e como conseqüência disso fica encerrada na "esfera sub-lunar", ou mundo inferior, onde vive como em um sonho com os olhos vendados à verdadeira realidade. A isto precisamente se refere também Platão com o famoso mito da caverna: tudo o que nela acontece é um reflexo de uma realidade mais alta, de onde procede a luz que ilumina essa caverna, a qual é evidentemente uma imagem simbólica de nosso mundo, e em conseqüência da existência que levamos dentro dele.

Pois bem, a despertar desse sonho, a escapar desse mundo e dessa existência que não tem em si mesmo sua realidade e sua razão de ser, vem a nos socorrer a Filosofia, a autêntica Filosofia, a que faz honra ao significado verdadeiro de seu nome: "Amor à Sabedoria". Esse amor, ou essa filiação, é um estado da consciência próprio do ser humano, e está em todos nós, só que como estamos completamente voltados para o exterior, para "fora de nós mesmos", não o percebemos como algo próprio e que nos pertence pelo fato de termos nascido humanos, como o único, enfim, que pode nos arrancar essa atadura que nos cobre os olhos, e que é como um encantamento enraizado no mundo dos sentidos, o "véu de Maia", a ilusão do relativo, do impermanente e do condicionado.

Amar a Sabedoria implica pois uma aspiração impetuosa e sem trégua alguma para o Conhecimento, para a Gnose, o que supõe acontecer do exterior, ou do mundo das aparências, para o interior, ao mundo da realidade. Da periferia da roda para seu centro, que é precisamente o que dá todo seu sentido à roda e a seu movimento, vale dizer a nossa existência neste mundo, que sem esse centro, sem sua Essência, não existiria. Ir do exterior para o interior, da representação à realidade, supõe efetivamente seguir um caminho, uma via, um raio, e isso não é outra coisa que nossa "reta intenção", nosso querer "ser", que é o mesmo que nos orientar "na direção que assinala a luz", como se diz em linguagem maçônica. Trata-se em definitivo de passar de uma leitura exterior das coisas, do mundo e de nós mesmos, a uma leitura interior, mais acorde com o que constitui a razão de ser dessas mesmas coisas, do mundo e de nós. "Ler interiormente" é o que quer dizer precisamente a palavra inteligência, que é, ao igual que Mnemósyne (a Memória), ou a própria Sabedoria, o nome de uma deusa: a deusa Inteligência, aquela que como diz Federico González em vários lugares de sua obra, e mais concretamente em Simbolismo e Arte (livro que tivemos ocasião de apresentar aqui mesmo junto a outros membros do Centro de Estudos de Simbologia de Barcelona), é

"Uma energia capaz de selecionar os valores e pô-los em seu lugar, criando uma ordem mental em oposição ao caos da ignorância. Daí a importância do modelo do Universo e de sua Ordem Arquetípica, ou seja, da doutrina e de sua encarnação, posto que é capaz de ativar e gerar o auxílio desta deidade, a que sempre se manifesta no microcosmo como a compreensão imediata, efetivada no coração".2

Esse Amor à Sabedoria é o que se pratica nas oficinas maçônicas, e faz dos irmãos maçons verdadeiros filósofos cuja aprendizagem na "lembrança de si", ou seja no reconhecimento de sua identidade mais verdadeira e profunda, é constante e permanente, e vem dando uma dimensão cada vez mais ampla e universal de nós mesmos, que é inversamente proporcional ao abandono de nossas superficialidades, que são aqueles metais impuros, ou arestas da "pedra bruta" que com paciência e perseverança, duas virtudes muito elogiadas pelos alquimistas e maçons de todos os tempos, têm que ser polidas pelas ferramentas do maço e o cinzel, símbolos respectivos da vontade e da reta intenção que a dirige e com a qual se conjuga.

Na linguagem dos símbolos (que os trovadores medievais chamavam "a língua de oc" –languedoc– ou o "linguagem dos pássaros") o coração é precisamente a sede da inteligência, não da inteligência racional, que segundo a mesma linguagem simbólica estaria localizada no cérebro, e que é dual por natureza, mas sim da inteligência superior, ou da intuição intelectual, aquela que tende para a síntese pela reunião dos contrários, e que é como um sexto sentido que tem o homem, o microcosmo, para "descobrir" esses outros estados mais sutis que estão em nosso interior, e que, tal como os raios da roda ou da circunferência, põem-nos em comunicação direta (ou seja a "compreensão imediata" de que fala Federico González) com nosso verdadeiro "Eu", ou Si mesmo.

Mas no "descobrimento" dessa faculdade superior inerente à natureza humana é muito importante, com efeito, conhecer o modelo do Universo, que nos fala de uma Ordem Arquetípica, de uma Cosmogonia; e não só isso, mas também dito conhecimento, para ser compreendido em toda sua integridade, tem que "encarnar-se" e viver-se como tal, quer dizer que tem que ser realmente transformador e operativo, e não uma mera especulação teórica que por muitos "saberes" que acumule nunca poderá nos levar mais à frente da soleira ou da periferia da roda, nesse ponto onde realmente começa a viagem para o centro de nosso ser, o qual se vive, tornamos a repetir, como um retorno à "casa do Pai".

Esse retorno tão somente é possível através de uma Arte que a Maçonaria chama "Arte Real", idêntico a Grande Obra alquímica, Obra que é a que o homem pode realizar consigo mesmo em seu interior, e cujo processo criativo como dissemos ao princípio é análogo à própria criação do Cosmo, já que há uma identidade entre o homem e o Universo, entre o microcosmo e o macrocosmo, de tal maneira que existe uma relação constante e permanente entre um e outro, quer dizer que o conhecimento de si se inter-relaciona com o conhecimento do mundo, conformando ambos um todo unitário, "uma só e única coisa maravilhosa", verdadeiro objetivo da Grande Obra, como dizem os textos herméticos segundo a fórmula da Tábua de Esmeralda: "O que está acima é como o que está abaixo, e o que está abaixo é como o que está acima, para fazer a maravilha de uma coisa única". A isto alude sem dúvida alguma o conhecido selo de Salomão, que como sabemos são dois triângulos entrelaçados, sendo um o reflexo do outro.

Tu te acreditas um nada, e é em ti em quem reside o mundo,

Recorda-nos neste sentido René Guénon3 citando o filósofo Avicena.

E assim como a ordem cósmica, o Mundo, segundo os relatos mitológicos de todas as tradições da humanidade, surgiu do caos das trevas primitivas, também esse processo interior que o homem realiza consigo mesmo surge a partir do "caos de nossa ignorância", como dizia Federico González na nota citada. Segundo a Alquimia, nesse "caos" estão em potência e sem desenvolver todas nossas virtudes e qualidades, e é graças à Arte da transmutação que esse "caos" começa pouco a pouco a ordenar-se, quer dizer, a atualizar-se, recebendo a luz da Inteligência, análoga ao Fiat Lux ("Faça-se a Luz") que iluminou as trevas pré-cósmicas.

Por isso justamente a iniciação se concebe como uma "iluminação" interior, e a expressão "dar a luz", que se refere ao nascimento carnal, é exatamente o mesmo que "dar a luz", tal qual se realiza durante o rito da iniciação maçônica, e em qualquer iniciação ao Conhecimento pois se trata de um arquétipo universal, com o qual se estabelece uma correspondência entre o nascimento físico e o nascimento espiritual. A própria palavra "neófito" com que se designava ao recém iniciado nos antigos Mistérios do Elêusis, e também na Alquimia e na Maçonaria, quer dizer tanto "nova planta" como "novo nascido". E tudo isto está vinculado com a própria palavra Conhecimento, que é realmente um "CO-nascimento" [N.T.: em espanhol, "conhecimento" é "conocimiento"; o autor faz logo atrás, então, uma correlação entre as duas palavras e idéias], um voltar a nascer novamente. Neste sentido qualquer conhecimento relacionado com estas idéias é sem dúvida alguma um nascimento a uma outra realidade, com o que o campo de nossa visão do mundo e de nós mesmos se amplia e se faz mais verdadeiramente universal.

Por isso mesmo não se ilumina, não se desperta ou não se nasce, a não ser a aquilo que o ser já possui dentro de si, pois como diz também Platão: "Tudo o que o homem aprende já está nele". Daí que a via alquímica e maçônica seja um processo de estrita realização pessoal, e todos os meios ou ajudas que vêm do exterior contribuem de fato a facilitar esse despertar e esse nascimento, mas tendo sempre em conta que são só ajudas, ou suportes, ou veículos, para iniciar e começar esse processo, e que inclusive podem nos servir durante um comprido trajeto do caminho, mas finalmente, e como se diz nos textos alquímicos, a "quem não compreende por si mesmo, nunca ninguém poderá fazê-lo o compreender, faça-se o que se fizer".

Os suportes mais importantes, e poderíamos dizer virtualmente os únicos, são os símbolos e o alto Ensino que se deriva deles, tendo em conta que os símbolos iniciáticos foram especialmente desenhados para cumprir essa função didática, e estão "carregados", se nos permitem a expressão, de influxos espirituais ou, se preferirem, de idéias-força, que eles mesmos transmitem sob suas formas e modos respectivos, e que convenientemente estimulados por nosso estudo, meditação e concentração, comunicam-nos e nos fazem partícipes de seu conteúdo, que assim que seja compreendido, incorporamo-lo e fazemos plenamente nosso, quer dizer, que nos identificamos com a idéia que revelam, ou dito de outra maneira: devimos essa própria idéia, pois como diz Aristóteles, e confirmam as experiências de todos os que o viveram, e o vivem, "o ser é o que conhece", quer dizer que há uma identidade entre ser e conhecer: a gente é o que conhece. Por isso mesmo é tão importante o conhecimento dessa Ordem Arquetípica, que é a Cosmogonia, pois na medida em que dito conhecimento se faz em nós por sua compreensão, e tendo sempre presente as correspondências e analogias entre o macrocosmos e o microcosmos, nossa consciência se universaliza ao aflorar nela outros estados de uma natureza muito mais sutil, e que até esse momento eram completamente desconhecidos, até formando parte de nós mesmos. Essa "floração" é o que no tantrismo hindu se denomina o "despertar dos chakras", palavra que quer dizer "rodas", e que são efetivamente estados de nossa consciência que jazem adormecidos até que são despertados pela energia espiritual (uma de cujas expressões é a paixão pelo Conhecimento), a que podemos relacionar com o enxofre alquímico, força divina que jaz no centro de nosso ser, ou também com o maço e o cinzel maçônicos, cuja ação conjunta sobre a "pedra bruta" fazem possível a transformação desta em pedra cúbica.

Esse despertar dos centros sutis nos permite ir ascendendo degrau a degrau, degrau após degrau, pela "escada filosófica" que une a terra com o céu, até chegar a conceber, e em conseqüência viver, a idéia da Unidade, do Si mesmo, que constitui a "chave de abóbada" ou "pedra angular", idêntica à "pedra filosofal" da Alquimia, de todo o Edifício Cósmico –e é obvio do ser humano, que vive assim a plenitude de uma existência não circunscrita somente a sua individualidade, pois esta foi transmutada pela gradual identificação com o universal por meio de seu conhecimento e da identidade com ele.

Então aquela existência que estava sujeita ao ilusório e evanescente de que falávamos mais acima, cobra aqui todo seu sentido e passa a ser o suporte permanente dessa transmutação, que é uma sucessão constante de mortes e nascimentos, ou dito em linguagem alquímica, de dissoluções e coagulações, que vão "afinando" o "composto" humano até fazê-lo "simples", ou seja "não composto nem duplo", semelhante a uma semente ou um germe, que evoca claramente a parábola evangélica do "grão de mostarda" (Mateus XIII, 31-32): "Semelhante é o Reino dos Céus a um grão de mostarda, que tomando-o um homem o semeou em seu campo; que é a menor de todas as sementes, mas quando se desenvolve é maior que as hortaliças, e se faz uma árvore, de modo que vêm as aves do céu e aninham em seus ramos". Ou este outro texto dos livros sagrados da Índia, que diz o seguinte: "Este Âtmâ (o Grande Espírito), que reside no coração, é menor que um grão de arroz, menor que um grão de cevada, menor que um grão de mostarda, menor que um grão de millium, menor que o germe que está em um grão de millium; este Âtmâ, que reside no coração, é também maior que a terra, maior que a atmosfera, maior que o céu, maior que todos os mundos em conjunto".

O grão de mostarda, como outros exemplos semelhantes, é evidentemente uma imagem simbólica da própria Unidade, que não tem composto nem duplo, por isso é a Unidade, e que em nosso mundo aparece como o menor, mas que em si mesmo é o maior, pois a tudo contém, e ao mesmo tempo está contida em tudo. Daí o exemplo da semente ou germe, que é precisamente no que tem que converter o candidato para receber a "luz" da Inteligência, para o qual precisa purificar-se de tudo que não é ele mesmo, quer dizer precisa passar pela prova dos elementos, que é outra herança que a Maçonaria recebe da Alquimia, e cujo fim não é outro que levá-lo a um estado completamente receptivo à luz da Inteligência.

Neste sentido, é interessante assinalar que os quatro elementos alquímicos, mais o quinto que é o éter ou "quintessência", têm sua correspondência com o simbolismo construtivo, em concreto com as quatro pedras de fundação situadas nas quatro esquinas ou ângulos de base de um edifício, mais a quinta pedra, que não está no mesmo plano ou nível das outras quatro mas sim propriamente constitui o "quinto ângulo", ou "pedra angular", situada na sumidade do edifício, e da qual toda a construção aparece como a "projeção" ou "emanação" dessa mesma pedra, quer dizer, que a construção em si tem realidade a partir dela, pelo que realmente esta significa como representação da Unidade metafísica. E se isto é assim no simbolismo construtivo próprio da Maçonaria também o é no alquímico, no qual dita construção não é outra coisa que a que se realiza na alma humana a base de transmutações e purificações constantes e permanentes, até obter sua total identificação com a Unidade que reside no centro ou "quintessência" dela mesma, e que é ela mesma: "Quem se conhece si mesmo conhece seu Senhor", é também uma máxima da Tradição Unânime.

A "viagem" pelos elementos que realiza o postulante a receber a iniciação maçônica se vive inumeráveis vezes ao longo de sua vida. Poderíamos dizer que é toda a vida a qual está envolta nisso, pois ditas viagens se vivem em distintos níveis de compreensão, sendo os elementos, do ponto de vista alquímico, estados do Ser Universal, e portanto do ser individual. Se tomarmos o exemplo da Árvore da Vida cabalística, vemos que em cada um de seus quatro planos: Asiah, Yetsirah, Beriah e Atsiluth (relacionados também com os quatro elementos) existe uma Árvore inteira, ao que se terá que percorrer do começo até o final, o que forma um ciclo, acabado o qual começa outro na escala evolutiva de nossa consciência, que vai assim da periferia ao centro, quer dizer a quintessência, à Unidade, em si mesmo e além da qual qualquer idéia de "viagem" ou de "busca" tal e como se considerava até então carece já de todo sentido.*
* *


Aqui tão somente falaremos da primeira dessas viagens, e sem a qual não seria possível as restantes. Esta se realiza visitando o interior da terra, o que na Maçonaria se simboliza com a "Câmara de Reflexão", que é em tudo semelhante ao atanor, um espaço "hermeticamente fechado" onde é introduzido o aspirante para "despojar-se dos metais impuros", linguagem claramente alquímica que alude a essas "escórias" e superficialidades (os "egos" em linguagem corrente) que impedem precisamente a "recepção da luz". Ali, encerrado em seu atanor, na solidão mais completa, o aspirante tem que encontrar sua "pedra bruta", ou seja, sua "matéria prima", pois sem esta é impossível a Grande Obra. Ou dito de outra maneira: tem que dar-se conta de que a tudo tem que aprender de novo, e que em conseqüência tem que morrer para seu estado anterior, ou seja a não se identificar com o mais denso de si mesmo, aprendendo a "separar o espesso do sutil", pois existe a promessa de uma vida nova, e que se tiver chegado até aí, até essa "Câmara de Reflexão" que é sua própria alma recolhida em uma extrema concentração, é porque secretamente, sem o saber, está cumprindo com seu destino. Neste ponto dizem novamente os textos alquímicos:

"Meu apelido é Dragão. Sou o servo fugitivo, e me encerraram em uma fossa para que logo me recompense com a coroa real e possa enriquecer a minha família... Minha alma e meu espírito me abandonam... Que eles não me deixem nunca logo, para que veja de novo a Luz do Dia, e que este Herói da Paz que o mundo espera possa sair de mim".

A tudo isto aludem sem dúvida alguma os símbolos que se encontram na Câmara de Reflexão, todos destinados a nos fazer precisamente "refletir" sobre seu sentido profundo. Aí encontramos, por exemplo, ao galo, pássaro solar e de Hermes que anuncia a luz; aos três princípios alquímicos: enxofre, mercúrio e sal, quer dizer ao princípio ativo, ao passivo, e a síntese de ambos respectivamente; à caveira que nos indica o estado em que nos encontramos e ao mesmo tempo nos permite entender que no impermanente e no fugitivo, como a própria vida que nos escapa dentre as mãos, existe uma imagem do imutável, pelo que permanece, quer dizer que esses ossos nos evocam uma primordialidade e uma origem incorruptível. Por isso mesmo, nas correspondências entre o cosmo e o homem, os ossos estão regidos pelo planeta Saturno, o rei da Idade de Ouro, que é também o chumbo, o mais vil e denso de todos os metais mas no qual, entretanto, está encerrado o ouro, o mais precioso e sutil de todos eles. E ali, enfim, encontramos as siglas alquímicas VITRIOL, ou VITRIOLUM, que dão pleno sentido à Câmara de Reflexão: "Visita o Interior da Terra e Retificando Encontrará a Pedra Oculta. Verdadeiro Remédio".

Visitar o interior da terra é fazê-lo em si mesmo, procurar em nossa memória os sinais que nos levem ao país dos antepassados, a nossa linhagem espiritual, como faz o mestre Hiram, quando vai procurar no interior da terra, no mundo subterrâneo, a seu antepassado Tubalcain, segundo se relata em outras lendas que revestem Hiram com os características de um herói civilizador. Ressoam aqui as palavras de todos os iniciados de todos os tempos: para ascender ao mais alto tens de descer ao mais baixo, e este fato se cumpre indefinidas vezes no processo inicial, pois o percurso pelo eixo que comunica os diferentes planos do Ser universal, e do ser individual, faz-se sempre nas duas direções: ascendente-descendente:

Sobe da Terra ao Céu, desce de novo à Terra, e une os poderes das coisas de cima e das de baixo,

Podemos ler na "Tábua de Esmeralda" hermética, fundamento doutrinal e síntese magistral de todos os trabalhos alquímicos.

Na realidade, a Pedra Oculta, o verdadeiro remédio ou elixir da imortalidade de que se fala nas siglas VITRIOLUM, não é outra coisa que a obtenção do Conhecimento, já que como antes recordávamos, também se disse que "Quem se conhece si mesmo conhece seu Senhor", quer dizer à Unidade. O "prêmio", se é que houvesse algum neste caminho de enormes contrastes que realiza o peregrino para sua pátria de origem, não é outro que esse Conhecimento, ao que alguns preferem pôr o nome de Tradição Primitiva, que é a Fonte da qual emana a Ciência Sagrada ou Filosofia Perene de todos os tempos e lugares. Neste sentido, em um momento determinado dessa viagem, a Câmara de Reflexão passa a ser outra Câmara: a Câmara do Meio, situada na base do Eixo do Mundo durante o rito de recepção ao terceiro grau, ali onde têm lugar outros mistérios que fazem referência também a uma morte e a um novo nascimento.

Isto nos faz recordar indevidamente que quando Dante, em sua viagem ao centro da terra, desce ao ponto mais baixo desta, "retifica" imediatamente o sentido dessa direção e começa a subir pelo eixo do mundo, que é seu próprio eixo interior, para a saída à "Luz do Dia", à Realidade, abandonando o "reino das sombras" ao encontro com sua dama Beatriz, personificação da Sabedoria.

E não queríamos terminar estas reflexões que quis compartilhar com todos vós sem citar novamente o livro Simbolismo e Arte, concretamente o capítulo titulado "Arte Alquímica", onde se diz o seguinte:

E de igual forma que todo nascimento se transforma em morte e esta é continuada por um renascimento –qualquer seja o ponto de vista que se adote, posto que a criação é perene–, assim estes estados se sucedem no ser, sujeito ao espaço, ao tempo e à memória. Pelo que o xamã vive em seu processo alquímico indefinidos falecimentos e ressurreições. (...) Entretanto também devemos observar que de modo acorde em Alquimia se destacam diversas etapas significativas no processo geral, que se realiza escalonadamente na projeção temporal, que estão vinculadas com os ciclos que, embora universalmente se sucedem sem solução de continuidade, têm um sentido claro no subciclo de uma existência particular, onde a dimensão de uma vida humana reconhece os tênues e sutis sinais de uma transformação, que por leve e esfumada que pareça, faz-se de repente transparente e se arraiga profundamente no coração do atanor, ou o que é o mesmo, da alma humana, permitindo-lhe assim ao operário seguir desenvolvendo-se para enfrentar novos trabalhos de sua ciência evolutiva, graças à intuição intelectual, direta, que não admite dúvidas nem demonstrações pois, de face à certeza, resultam completamente desnecessárias.

Pode-se compreender, então, que este processo do adepto –ou o xamã, que recebeu sucessivas iniciações, ou compreendido distintos estados do Ser Universal– que vai obtendo para si paulatinamente as cores da Obra, é uma verdadeira imersão no tempo, já que adverte a simultaneidade de todo o possível (que se dá mercê à projeção temporal, ou seja, gradualmente), e reconhece estados não humanos de uma perspectiva distinta, onde vê girar a roda dos sucessos e fenômenos sem apego, tal qual o alquimista metálico observa de uma maneira imparcial as substâncias que combustam –coagulam e se dissolvem– em seu atanor. Em tudo isto tem um papel decisivo a memória, matéria com que está tecido o tempo e portanto o homem, já que este é tanto o que conhece como o que recorda, e em todo caso se for algo em si, é por sua memória: imprecisa e frágil substância que troca com os momentos e os dias e constantemente se atualiza.4 Tradução: Igor Silva

NOTAS
* Conferência pronunciada em 20 de Janeiro de 2005 na Biblioteca Arús de Barcelona.
1 Ver Arturo Reghini: Les Nombres Sacrés, dans la Tradition Pythagoricienne Maçonnique. Archè, Milano 1985.
2 Simbolismo e Arte, cap. II. Ed. Symbolos, Barcelona 1992. 2ª ed., Os Livros do Inominável (Libros del Innombrable), Zaragoza 2004.
3 Mélanges, cap. VI. Gallimard, Paris 1976.
4 Simbolismo e Arte, cap. V, p. 87-88.

TRADIÇÃO HERMÉTICA E MAÇONARIA

TRADIÇÃO HERMÉTICA E MAÇONARIA

FEDERICO GONZALEZ

http://hermetismoymasoneria.com/ps13fgon.htm


No antigo manuscrito maçônico Cooke, (cerca de 1.400) da Biblioteca Britânica, lê-se nos parágrafos 281-326 que toda a sabedoria antediluviana foi escrita em duas grandes colunas. Depois do dilúvio de Noé, uma delas foi descoberta por Pitágoras, a outra por Hermes, o Filósofo, que se dedicaram a ensinar os textos ali gravados. Isto se encontra em perfeita concordância com o testemunhado por uma lenda egípcia, da qual já dava conta Manethon, segundo o mesmo Cooke, vinculada também com Hermes.

É óbvio que essas colunas, ou obeliscos, semelhantes aos pilares J. e B., são as que sustentam o templo maçônico e, ao mesmo tempo, permitem o acesso ao mesmo e configuram os dois grandes afluentes sapienciais que nutrirão a Ordem: o hermetismo, que assegurará o amparo do deus através da Filosofia, quer dizer do Conhecimento, e o pitagorismo, que dará os elementos aritméticos e geométricos necessários, que reclama o simbolismo construtivo; deve-se considerar que ambas as correntes são direta ou indiretamente de origem egípcia. Igualmente que essas duas colunas, são as pernas da Mãe loja, pelas quais é parido o Neófito, quer dizer pela sabedoria de Hermes, o grande iniciador, e por Pitágoras, o instrutor gnóstico.

De fato, na mais antiga Constituição Maçônica editada, a de Roberts publicada na Inglaterra em 1722 (portanto anterior à de Anderson), mas que não é mais que a codificação de antigos usos e costumes operativos que derivam da Idade Média, e que serão desenvolvidos posteriormente na Maçonaria especulativa, menciona-se especificamente a Hermes, na parte chamada "História dos Franco-maçons". Efetivamente, ali aparece na genealogia maçônica com esse nome e também com o de Grande Hermarmes, filho de Sem e neto de Noé, que depois do dilúvio encontrou as já mencionadas colunas de pedra onde se achava inscrita a sabedoria antediluviana (atlântica) e lê (decifra) numa delas o que em seguida ensinará aos homens. O outro pilar, como se mencionou, foi interpretado por Pitágoras enquanto pai da Aritmética e da Geometria, elementos essenciais na estrutura da loja, e portanto ambos os personagens formam, como vimos, a "alma mater" da Ordem, em particular em seu aspecto operativo, ligado às Artes liberais.

No manuscrito Grand Lodge nº 1 (1583) só subsiste a coluna de Hermes, reencontrada pelo "Grande Hermarines" (a quem se faz descendente de Sem) "que foi chamado mais tarde Hermes, o pai da sabedoria". Note-se que Pitágoras não figura já como o intérprete da outra coluna. No manuscrito Dumfries nº 4 (C. 1710) também aparece, como "o grande Hermorian", "que foi chamado 'o pai da sabedoria' ", mas, neste caso, retificou-se sua origem de acordo com o texto bíblico que o faz descendente de Cam e não de Sem, por intermédio de Kush; como diz J.-F. Var em La franc-maçonnerie: documents fondateurs, Ed. L'Herne, P. 207, N. 33: "Agora, na Gênese (10, 6-8), Kush é o filho de Cam e não de Sem. O redator do Dumfries retificou conseqüentemente a filiação. Ao mesmo tempo, esta filiação resulta em ser a que a Escritura dá com relação a Nemrod. Daqui a assimilação de Hermes com Nemrod, contrariamente a outras versões que fazem deles dois personagens distintos."

Assim o destaca também o manuscrito chamado Regius, descoberto por Haliwell, no Museu Britânico em 1840, ao qual reproduz J. G. Findel na História Geral da Franco-maçonaria (1861), em sua extensa primeira parte que trata das origens até 1717, embora nele não se inclua Pitágoras como o hermeneuta que, junto com Hermes, decifra os mistérios que serão herdados pelos maçons, senão a Euclides, a quem se faz filho de Abraão; a este respeito, deve se recordar que o teorema do triângulo retângulo de Pitágoras foi enunciado na proposição quarenta e sete de Euclides.

O mesmo Findel, referindo-se à quantidade de elementos gnósticos e operativos que constituem a Maçonaria, e concretamente ocupando-se dos canteiros alemães, afirma: "Se a conformidade que resulta entre o organismo social, os usos e os ensinos da franco-maçonaria e os das companhias de maçons da Idade Média já indica a existência de relações históricas entre estas diversas instituições, os resultados das investigações feitas nos arcanos da história e o concurso de uma multidão de circunstâncias irrecusáveis estabelecem de modo positivo que a Sociedade dos Franco-maçons descende, direta e imediatamente, daquelas companhias de maçons da Idade Média." E adiciona: "a história da franco-maçonaria e da Sociedade dos Maçons está por isso mesmo intimamente unida à das corporações de maçons e à história da arte de construir na Idade Média; é, pois, indispensável dirigir um rápido olhar sobre esta história para chegar a que nos ocupa."

O interessante destas referências provenientes da Alemanha é que sua História Geral... é considerada como a primeira história (no sentido moderno do termo) da Maçonaria, e desde o começo o autor estabelece que: "a história da Franco-maçonaria, assim como a história do mundo, tem sua base na tradição" 1. Desta forma resulta óbvio que os Antigos Usos e Costumes, os símbolos e os ritos e os segredos do ofício, transmitiram-se sem solução de continuidade desde datas muito remotas e certamente nas corporações medievais, e a passagem do operativo ao especulativo não foi senão a adaptação de verdades transcendentes a novas circunstâncias cíclicas, fazendo notar que o termo operativo não só se refere ao trabalho físico ou de construção, projeção ou planejamento material e profissional das obras, mas também à possibilidade de que a Maçonaria opere no iniciado o Conhecimento, por meio das ferramentas proporcionadas pela Ciência Sagrada, seus símbolos e ritos. Precisamente isto é o que procura a Maçonaria como Organização Iniciática, e o confirma na continuidade da passagem tradicional, que faz com que, igualmente, seja encontrada na Maçonaria especulativa, de modo reflexo, a virtude operativa e a comunicação com a loja maçônica Celeste, quer dizer, a recepção de seus eflúvios que são os que garantem qualquer iniciação verdadeira, principalmente quando os ensinos são emanados do deus Hermes e do sábio Pitágoras. 2 De todas as maneiras, tanto uma quanto outra são os ramos de um tronco comum que tem os Old Charges (Antigos Deveres) como modelo; destes se encontraram numerosos fragmentos e manuscritos em forma de cilindro do século XIV em diversas bibliotecas. 3

Quanto a Hermes, não mencionado nas constituições de Anderson, em particular o Hermes Trismegisto grego (o Thot egípcio), é uma figura tão familiar à Maçonaria dos mais distintos ritos e obediências como o poderia ser para os alquimistas, forjadores da imensa literatura posta sob seu patrocínio. Não só o Hermetismo é o tema de abundantes pranchas e livros maçônicos, e inumeráveis lojas maçônicas se chamam Hermes, mas também existem ritos e graus que levam seu nome. Assim, há um Rito chamado os discípulos de Hermes; outro o Rito Hermético da loja Mãe Escocesa de Avignon (que não é a de Dom Pernety), Filósofo de Hermes é o título de um Grau cujo catecismo se encontra nos arquivos da "loja dos amigos reunidos de São Luis", Hermes Trismegisto é outro grau arcaico do qual nos dá conta Ragón, Cavaleiro Hermético é uma hierarquia contida em um manuscrito atribuído ao irmão Peuvret onde também se fala de outro denominado Tesouro Hermético, que corresponde ao grau 148 da nomenclatura chamada da Universidade, aonde existem outros como Filósofo Aprendiz Hermético, Intérprete Hermético, Grande Chanceler Hermético, Grande Teósofo Hermético (correspondente ao grau 140), O Grande Hermes, etc. Igualmente no Rito do Memphis o grau 40 da série Filosófica se chama Sublime Filósofo Hermético, e o grau 77 (9ª série) do Capítulo Metropolitano é nomeado Maçom Hermético.

Não faltam tampouco na atualidade, em revistas e dicionários maçônicos, referências diretas à Filosofia Hermética e ao Corpus Hermeticum, 4 onde esta se encontra fixada, senão que incluem analogias com a terminologia alquímica; eis aqui um só exemplo tirado do Dictionnaire de la franc-maçonnerie de D. Ligou (pág. 571): "Citaremos uma interpretação hermética de alguns termos utilizados no vocabulário maçônico: Enxofre (Venerável), Mercúrio (1.º Vigilante), Sal (2.º Vigilante), Fogo (Orador), Ar (Secretário), Água (Hospitaleiro), Terra (Tesoureiro). Encontram-se aqui os três princípios e os quatro elementos dos alquimistas."

Por isso que Hermes e o Hermetismo são referências habituais na Maçonaria, como o são também Pitágoras e a geometria. Por outra parte ambas as correntes históricas de pensamento derivam através da Grécia, Roma e Alexandria, do Egito mais remoto e por seu intermédio da Atlântida e da Hiperbórea, como em última instância acontece com toda Organização Iniciática, capaz de religar o homem com sua Origem. E naturalmente que esta impressionante genealogia na qual estão compreendidos os deuses, os sábios (sacerdotes) e os reis (tanto de Tiro e Israel, quanto da Escócia: a realeza não desdenhava a construção e o rei era mais um mestre operativo) forma um âmbito sagrado, um espaço interior construído de silêncio, lugar onde se efetivam todas as virtualidades e, assim, pode refletir o Ser Universal de modo especular. A loja maçônica, como se sabe, é uma imagem visível da loja Invisível, como o Logos é o desenvolvimento da Triunidade dos Princípios.

A influência do deus Hermes, e as idéias do sábio Pitágoras não desapareceram totalmente deste mundo crepuscular que habitamos, de fato é tudo o que resta dele; não esqueçamos que os alquimistas equiparam Jesus com o Mercúrio Solar, no Ocidente pelo menos. Por outra parte, talvez sequer pudera ser o mundo sem eles, tanto no aspecto das energias perpetuamente regeneradoras atribuídas a Hermes e sua Filosofia, como o das idéias-força pitagóricas, sem cuja ordem numérica (e geométrica) hoje não seria possível a menor operação.

A deidade é imanente em cada ser, e os Filhos da Viúva, os filhos da luz, re-conhecem-na no interior de sua própria loja maçônica, feita à imagem e semelhança do Cosmo. A raiz H. R. M. é comum aos nomes Hermes e Hiram, e este último forma com Salomão um paredro onde se unem a sabedoria e a possibilidade (a doutrina e o método), destacando-se à Tradição (Cabala) hebraica, em que nasceu Jesus, como a veiculadora desta revelação sapiencial, real, e artística (artesanal), que constitui a Ciência Sagrada, que é aprendida e ensinada por símbolos e ritos na loja maçônica, "livro" cifrado que os Mestres decodificam hoje, tal qual o fizeram seus antepassados no tempo mítico, posto que a Maçonaria não outorga o Conhecimento em si, mas mostra os símbolos e indica as vias para aceder a ele, com a bênção dos ritos ancestrais, que atuam como transmissores mediáticos desse Conhecimento. 5

Ou seja, que a atualização da possibilidade, quer dizer, o Ser, a comprovação de que tudo está vivo, de que o Presente é Eterno, a simultaneidade do Tempo, a idéia da Triunidade do Único e Só, formam um Conhecimento ao qual os maçons conduzem pela própria experiência, que proporciona um aprendizado gradual e hierarquizado.

O Mestre Construtor leva sua loja maçônica interior a todas partes, ele mesmo é isso, uma miniatura do Cosmo, desenhada pelo Grande Arquiteto do Universo. Mas a obra está inacabada, necessita-se polir (com Ciência e Arte) sua pedra bruta tal como cinzelou o Criador sua Obra. Os números e as figuras geométricas simbolizam conceitos metafísicos e ontológicos, que também representam realidades humanas concretas e imediatas, tão necessárias como as atividades fisiológicas e, daí por diante, quaisquer outras. O número estabelece idéia de escala, de proporção, e relação; também de ritmo, medida e harmonia, já que são eles os canais que tende a Unidade para a indefinidade numérica, até os quatro pontos do horizonte matemático e da multiplicidade.

É óbvio que Pitágoras ou Tales de Mileto não "inventou" nada, mas sim reconheceu na série decimal, que retorna a sua Origem (10 = 1 + 0 = 1), uma escala natural, uma ascese, que permitisse ao ser humano completar a Obra e transmutar assim no Homem Verdadeiro, paradigma de todo Iniciado, localizado na Câmara do Meio, entre o esquadro e o compasso. 6 Não houve Tradição que não tenha desenvolvido um sistema numérico que lhe servisse como método de conhecimento, em perfeita correspondência com as pautas criacionais. Recordemos que o teto da loja está decorado pelos astros, os Regentes, que governam as esferas celestes e estabelecem os intervalos e as medidas da Harmonia Universal.

Entretanto os maçons não deixaram nunca de reconhecer a frase evangélica: "Na casa de meu Pai há muitas moradas" (João, 14, 2), pois embora saibam que eles têm uma senda aberta diante de si que os conduzirá a seu Pai, não negam outros caminhos nem se opõem a nenhuma via, já que pensam que as estruturas invisíveis são as mesmas, protótipos válidos para todo tempo e lugar, apesar da adaptação constante de distintas formas aptas para diferentes individualidades, a maior parte das vezes determinadas pelos ciclos temporais tal qual poderia ser exemplificado por qualquer organismo vivo, entre eles o ser humano e suas modificações e adaptações ao longo dos anos, ciclos aos quais tampouco a Maçonaria é alheia, como se comprova em sua paulatina transformação concretizada finalmente no século XVIII. E é por essa mesma compreensão de suas possibilidades metafísicas e iniciáticas que a Maçonaria reconhece outras Tradições, e também deixa em aberto o exercício de qualquer crença religiosa, ou pseudo-religiosa, entre seus membros, muitos dos quais conciliam seu processo de Conhecimento, leia-se Iniciação, com a prática de preceitos e cerimônias religiosas exotéricas e legais, que pensam poderem enriquecer sua passagem e o de outros por este mundo. Não há portanto conflito entre Maçonaria e Religião, sempre que não tratem de misturar os conceitos, ou se pretenda, como já aconteceu, que determinados fundamentalistas (religiosos ou não) tentem monopolizar as lojas maçônicas para seu proveito pessoal. De fato, numerosos hermetistas, pitagóricos e maçons foram, e são, perfeitos cristãos, ou grandes cabalistas, e todos eles tiveram os símbolos como seus mestres. A Igreja Católica jamais condenou o Hermetismo, nem Euclides, herdeiro da ciência geométrica pitagórica, e mestre dos maçons, mas teve problemas com a Maçonaria do século XVIII a ponto de condená-la e excomungar seus membros. Entretanto foi sendo produzida nos últimos tempos uma paulatina aproximação entre ambas as instituições, salpicada aqui e acolá por incompreensões e interferências, muitas vezes interessadas. Segundo José A. Ferrer Benimelli, S. J., a revista a Civilittà Cattolica de Roma, publicada desde 1852, e que deu seguimento ao tema da Maçonaria até nossos dias, marca em sua evolução este processo de aproximação, ou ao menos de respeito mútuo. Efetivamente os primeiros artigos são violentos e condenatórios, há um período de transição, e os dos últimos anos, bastante conciliatórios e abertos ao diálogo. 7

São numerosos os maçons católicos, muitos deles franceses, que tentam há anos conciliar ambas as instituições e suspender a excomunhão; entretanto há muitos outros autores maçônicos que se integram completamente à Tradição Hermética, com sua Ordem, sem necessidade de um exoterismo religioso, tal o caso de Oswald Wirth, diretor durante muitos anos da revista Le Symbolisme, e reconhecido maçom que tem escrito sobre os Símbolos da Tradição Hermética e os símbolos maçônicos, El Simbolismo Hermético en sus relaciones con la Alquimia y la Masonería, Saros, Bs. As. 1958 (ver aqui pág. XXX), mostrando muitos aspectos de sua identidade de Origem; quanto a maçons que publicaram nos últimos anos, tanto sobre os distintos graus como acerca dos Números, desejaríamos citar em primeiro lugar a Raoul Berteaux, dentro de um nutrido grupo que tratou amplamente a Aritmosofia, de base pitagórica. 8

Hermes, a quem se lhe adjudica o ensino de todas as ciências, gozou de supremo prestígio ao longo de distintos períodos da história da cultura do Ocidente. Isto foi assim entre os alquimistas e os chamados filósofos herméticos, e estas mesmas idéias se manifestaram na Ordem dos Irmãos Rosacruzes, influências todas que recolheu a Maçonaria a tal ponto que se lhe pode considerar como um depósito da sabedoria pitagórica e sua transmissora nos últimos séculos, assim como uma receptora dos Princípios Alquímicos, e também das idéias Rosacruzes, 9 o que é evidente quando à simples vista comprovamos que um dos mais altos graus no Rito Escocês Antigo e Aceito, o 18, denomina-se precisamente Príncipe Rosacruz. Igualmente analogias e conexões com as Ordens de Cavalaria são reclamadas por alguns maçons, concretamente com a Ordem do Templo. Há muitos indícios históricos que mostrariam estas sementes, também tradições e ritos, especialmente uma das palavras de passe no grau 33, mas ficam bastante diminuídos quando se recorda que os Templários eram ao mesmo tempo monges e soldados (embora grandes construtores medievais), o que não guarda relação aparente com a Maçonaria, onde, por outra parte, há destaque para uma influência bem clara do hebraico que já assinalamos no caso de Salomão e da Construção do Templo, e se vê confirmada pela simples comprovação de que quase todas as palavras de passe e grau, segredos sagrados, pronunciam-se em hebraico. 10

No Diccionario Enciclopédico de la Masonería (Ed. del Valle de México, México D. F.), talvez o mais conhecido em castelhano, sob o título "Hermes" encontramos o verbete correspondente, onde pode apreciar a importância atribuída ao Corpus Hermeticum que, em algumas lojas maçônicas sul-americanas, ocupa o lugar da Bíblia como livro sagrado. É conhecida a relação de Hermes com o silêncio, e é costume chamar-se hermético àquilo que se encontra perfeitamente fechado, ou selado. O silêncio deste modo é próprio da Maçonaria e também dos pitagóricos que passavam cinco anos cultivando-o.

Elías Ashmole é também um bom ponto de confluência entre o Hermetismo e a Maçonaria. Este extraordinário personagem, nascido em Lichfield, Inglaterra, em 1617, parece ter desempenhado um papel importante na transição entre a antiga Maçonaria, anterior a Anderson-Desaguliers, e sua projeção histórica posterior, encaminhada para resgatar a maior parte da mensagem espiritual-intelectual, ou seja, gnóstica (no sentido etimológico do termo), das autênticas organizações iniciáticas, entre elas a Maçonaria e a Ordem da Jarreteira. Foi recebido na loja maçônica de Warrington em 16-10-1646, embora segundo seu diário, só foi à sua segunda sessão muitos anos depois, somente. Entretanto, não deve nos chamar a atenção este comportamento numa individualidade como a sua, produto do ambiente da época, onde o culto do segredo e do mistério era habitual por razões óbvias de segurança e de prudência. Em 1650 publica seu Fasciculus Chemicus sob o nome anagramático de James Hasolle; trata-se da tradução de textos latinos de Alquimia (entre eles o de Jean d'Espagnet), com sua introdução. Em 1652 edita o Theatrum Chemicum Britannicum, uma coleção de textos alquímicos ingleses em verso, que reúne muitas das mais importantes peças produzidas nesse país, e seis anos depois The Way to Bliss, ao mesmo tempo em que trabalha em buscas documentais literárias como historiador, e desenvolve sua atividade de antiquário reunindo num museu toda espécie de "curiosidades" e "raridades" relacionadas com a arqueologia e com a etnologia, como igualmente coleções de História Natural, inclusive todo tipo de espécies minerais, botânicas e zoológicas. Na realidade, este último foi o objetivo científico do museu (onde inclusive se realizaram os primeiros experimentos químicos na Inglaterra), que hoje é visitado em suas magníficas instalações de Oxford, mais como Museu de Arte que como instituição precursora da ciência e auxiliar da Universidade. A vida de Ashmole esteve muito unida à de Oxford, e os recursos de suas doações de objetos e manuscritos à instituição de seu nome (onde também se encontram seus jornais redigidos num sistema cifrado e que contêm numerosas notas sobre a Maçonaria) 11 foram muito importantes para essa cidade, dado seu prestígio universitário. Em Oxford, e também em Londres, Ashmole teve um destacadíssimo papel; filho de sua época, entregou-se à ciência natural e experimental como uma forma da magia das transmutações, tal como numerosos filósofos herméticos. Nesse sentido tratou com Astrólogos, Alquimistas, Matemáticos e todos os tipos de sábios e dignatários da época, junto com os quais formará a Royal Society de Londres e a Philosophical Society de Oxford. Seus numerosos amigos e companheiros de toda uma vida são nomes de muitíssimo relevo, muitos deles ligados à Maçonaria em seus mais altos graus, como Christopher Wren, ou à investigação e exercício das Artes liberais e da Ciência Sagrada, que formaram um conjunto de personalidades de um papel fundamental em seu tempo, concretamente na difusão e prática da Tradição Hermética e na relação desta com a Maçonaria. Como disse René Guénon ao referir-se ao papel de Ashmole: "Pensamos, inclusive, que se buscou no século XVII, reconstituir a este respeito uma tradição da qual uma grande parte já se perdeu". Neste extraordinário trabalho brilha o nome do E. Ashmole em dois aspectos: como um dos reconstrutores da Maçonaria quanto à relação desta com as ordens da Cavalaria e as corporações de construtores, e igualmente como ponto de confluência com a Tradição Hermética. O mesmo Ashmole se chamava filho de Mercúrio (Mercuriophilus Anglicus), e sua obra mais importante, a já mencionada The Way to Bliss, 1658, recolhe seus estudos em Filosofia Hermética, conforme indica em sua introdução ao leitor.

Deste modo deve ser destacado que alguns autores fazem muita questão sobre certos temas relacionados com o catolicismo e com o protestantismo no processo de passagem da Maçonaria operativa à especulativa. De fato, acostumou-se a simplificar o assunto dizendo que as corporações operativas eram católicas e as especulativas, posteriores, protestantes. Certamente que, do ponto de vista histórico, estes fatos podem ser mais ou menos "reais", pois a Ordem, como toda instituição, está sujeita a determinados vai-e-véns cíclicos que têm manifestações sociais, políticas, econômicas, etc. Mas do ponto de vista da Maçonaria como organização iniciática, ela não está sujeita ao devir, motivo pelo qual subsistirá até que finalize o ciclo. 12 Na realidade, a Tradição Hermética (e Hermes mesmo) sofreu inumeráveis adaptações através do tempo, embora jamais deixou de se expressar; e é óbvio que esta Tradição, como os fundamentos da Maçonaria, identificada com a Ciência de Construir, é anterior ao Cristianismo, embora tenha convivido com ele durante vinte séculos, e até produziu hermetistas cristãos e cristãos herméticos (entre estes últimos, dignitários do mais alto nível, papas inclusive), o que não impede que essa Tradição tenha antecedentes claramente pagãos, relacionados com as escolas de mistérios, ou como hoje se as denomina, religiões mistéricas; portanto, poder-se-ia asseverar que o hermetismo tem uma vertente pagã e outra cristã. Neste sentido, devemos esclarecer que a palavra pagão soa a nossos ouvidos acostumados ao mais superficial das religiões abraâmicas a maldito, ilegal, bastardo, ou pelo menos a um nebuloso pecado. Também a ignorância atribuída ao atraso de povos que se desconhecem, e que nem sequer interessam. É costumeiro o entendimento do pagão como algo renhido com a opinião civilizada, extremamente primitivo, ou que está contrário ao cristianismo, ou à religião, e portanto fora de toda ordem. Em suma, o paganismo está eliminado previamente, por censura interior, como algo um pouco repugnante, antes de que nos inteiremos que, na realidade, só se trata da sabedoria de indefinidos povos tradicionais que povoaram este mundo antes e durante os só vinte séculos que caracterizam à chamada Civilização contemporânea. 13

Supomos que desde este último ponto de vista, quase oficialmente ecumênico, não há nada injurioso em compartilhar o pensamento pagão, como bem o viram dos Pais da Igreja até numerosos sábios, sacerdotes e pastores contemporâneos. 14

Na verdade para o Hermetismo, anterior historicamente ao Cristianismo, existe uma Cosmogonia Perene, manifestada por sua filosofia e seus escritos, como para o maçom religioso ou não o está em seus símbolos e ritos.

A respeito da relação entre os Franco-maçons e as corporações de construtores e artesãos existem três grandes testemunhos bastante citados como fontes documentais sobre a prática da construção na idade Média. 15 Nicolá Coldstream as recolhe em seu livro sobre os artesanatos na Idade Média, 16 onde rechaça a idéia da filiação "fantasmal" da Franco-maçonaria com os construtores e artesãos medievais, (sua simples tese é que os maçons eram operários e não pessoas de gabinete) embora paradoxalmente seu estudo o confirma de diferentes maneiras; assim nos diz referindo-se ao tema:

"Trata-se do documento, redigido pelo abade Suger, que relata a construção do novo coro da abadia de Saint-Denis; do manuscrito, datado cerca 1200, do monge Gervais do Canterbury, sobre o incêndio e a reparação da catedral de Canterbury, e do Album de Villard de Honnecourt, conjunto de desenhos e de planos de edifícios, molduras e tornos elevadores. Dos três, o texto do Suger nos informa mais sobre o homem e da decoração de sua igreja que sobre o edifício, embora faça, de passagem, algumas alusões preciosas sobre sua construção. O exame atento do Album de Villard de Honnecourt nos permite duvidar seriamente de que este tenha construído alguma vez Igrejas e de que tenha tido algum conhecimento de arquitetura; quanto a seus desenhos, embora sejam interessantes, não seriam entretanto os de um arquiteto ou os da oficina de um maçom. O texto de Gervais, pelo contrário, é o único documento medieval que descreve uma equipe de maçons trabalhando; proporciona numerosas informações sobre a prática dos maçons e alguns métodos de construção."

Interessa-nos especialmente a referência ao Album de Villard de Honnecourt. Efetivamente, não é a primeira vez que se destacam certas características sobre o fato de que este caderno não é um manual de tecnologia aplicada, senão completamente outra coisa, muito mais ligada com as propostas da Filosofia Hermética que se anotam para uso dos mestres de obras. 17 E o fato de que exista um documento deste tipo (mais de gabinete que outra coisa) é uma prova de que a especulação sobre o simbolismo e a linguagem hermética em sua versão cristã já tinham cultores a princípios do século XIII, que vê nascer, entre outras, as catedrais de Chartres e de Reims.

Muito se tem escrito sobre este tema e fica aberto o debate; o investigador tirará suas próprias conclusões, mas não poderá ignorar a Tradição oral, e sua filiação universal com o Simbolismo Construtivo, que tanto pode manifestar-se no Extremo Oriente, como no Egito ou na América Central; nos "collegia fabrorum" romanos, ou nas corporações medievais, às quais se acostumaram considerar fazendo abstração de qualquer referência iniciática ou ligada aos Franco-maçons como fechadas e ao mesmo tempo depositárias de conhecimentos relativos ao "ofício", que se transmitiam por símbolos e termos de uma linguagem cifrada.

Não obstante deve-se fazer a ressalva de que a influência da Filosofia Hermética, por um lado, e por outro a das corporações de construtores cristãos (e algumas mais já mencionadas como a da Ordem do Templo), é desigual nos distintos Ritos, onde sobre um fundo comum, observam-se algumas filiações inclinadas para um ou outro aspecto. Não podemos tratar aqui o complexo e extensíssimo assunto da diversidade dos Ritos maçônicos, mas podemos assinalar sua existência, e igualmente a de distintos aspectos da Ciência Sagrada que provocam em alguns maior ou menor simpatia. Já que, sendo uma só a Maçonaria, como é uma só a Construção Cósmica, e portanto o Simbolismo Construtivo, as interpenetrações de diferentes influências, suas oposições e conjunções, formam parte do jogo de desequilíbrios e adaptações às quais se vê exposto o legado maçônico, veiculado pela civilização judaico-cristã. Isto foi assim também no passado e explica a passagem da Maçonaria operativa à especulativa, como já dissemos, fato que foi gradual, ao extremo que certas lojas maçônicas "operativas" (anteriores a 1717) tinham elementos "especulativos" e que muitas lojas maçônicas "especulativas" (atuais), são propriamente operativas. Inclusive há documentos que testemunham a coexistência de ambas, tema que foi expressamente mencionado por distintos autores Maçonaria de transição. 18

Efetivamente, depois da publicação das "Constituições de Anderson", um grupo muito numeroso de maçons, escoceses, irlandeses e de outros lugares da Inglaterra, decidem desvincular-se da Grande Loja fundada em Londres (e que começou com só quatro lojas maçônicas), sendo em parte suas diferenças relativas a certas alterações de sentido, inclusive ritualísticos, das que não são alheias as distinções religiosas, e inclusive criaram uma espécie de Federação da Antiga Maçonaria, a qual depois de umas dezenas de anos começará novamente a ter relações com os ingleses, mas mantendo seus pontos de vista tradicionais mais relacionados com o operativo ou iniciático que com o especulativo ou alegórico; a isto devem-se somar problemas de sucessão ao trono da Inglaterra, pretendido pelo escocês e católico Jaime, que contava com muitos partidários, não só nas ilhas mas também em todo o continente. 19

Em todo caso esta situação da diversidade de Ritos se reproduz nos distintos graus, que variam em número, nome e condição, segundo as diferentes forma maçônicas. Este tema é de interesse, mas se nos parece prioritário recordar que esses graus (seja em número de três, sete, nove, ou mais,) representam etapas no Processo de Conhecimento, ou Iniciação, e que essas passagens ou estados na Maçonaria são sintetizados e designados com os nomes de Aprendiz, Companheiro e Mestre, em correspondência com os três mundos: físico, psíquico e espiritual. Estes três grandes graus contêm sinteticamente em si todos os graus, que a maior parte das vezes não são senão especificações ou prolongações deles. Mas está claro que a divisão é hierárquica e se efetua dentro de uma ordem ritual que corresponde simbolicamente a estas etapas na Iniciação ou Via do Conhecimento. Ainda assim, não há um poder central que agrupe toda a Maçonaria, apesar de que haja Grandes Lojas muito poderosas, com um passado tradicional, e as diferentes Obediências e Ritos mantêm uma atitude de mútuo respeito, já que são vergônteas de uma árvore comum.

Esta espécie de independência, se assim é possível dizer, também é clara em cada loja maçônica, onde se efetivam ou não os símbolos, e se praticam ou não os ritos prescritos. A Unidade maçônica se produz fundamentalmente na Oficina, projeção do Cosmo, com liberdade da Obediência à qual esta pertence.

Resta-nos mencionar que estes três graus formam o que se chama a Maçonaria Azul ou Simbólica. Acima deles se encontram os Altos Graus, sistema de hierarquias que não é considerado em certas Obediências nem aceito por determinados Ritos. Cabe saber também que, ao passar de um grau a outro, apenas se inicia a realizar o grau obtido; assim ao receber um Companheiro o grau de Mestre, é que começa a iniciação nesse grau. Deste modo que os graus são permanentes e jamais se perdem os adquiridos em uma carreira maçônica normal.

Falta-nos mencionar um pouco mais à Alquimia como influência presente na Ordem Maçônica. Já assinalamos que Enxofre, Mercúrio e Sal, os princípios alquímicos, encontram-se diretamente incorporados, desde os primeiros graus.

A Alquimia tem em comum com a Maçonaria o desenvolvimento interior, tendente à Perfeição, que tanto os alquimistas consideravam o objetivo de seus afãs (já que a Natureza não tinha finalizado sua Obra, que o Artista ou Adepto devia completar), como os maçons aos fins últimos da Maçonaria, que incluem a morte e a conseqüente regeneração em outro nível, ou estado de consciência.

Por outro lado, costumou-se dizer entre os amigos da Filosofia Hermético-Alquímica que o último grande Alquimista (e escritor sobre estes temas) foi Irineu Filaleto no século XVII. Isto é bastante exato de uma perspectiva, só que não se obseva com toda claridade que a partir dessa data não se interrompe esta Tradição até o presente, mas sim se transforma, e muitíssimos de seus ensinos e símbolos passam à Maçonaria, como transmissora da Arte Real e da Ciência Sagrada, tanto nos três graus básicos como na hierarquia dos altos graus. Segundo René Guénon, estes altos graus são um prolongamento do estudo e da meditação sobre os símbolos e ritos (a uma parte deles, chamam-nos filosóficos) 20 nascidos do interesse de muitos maçons por desenvolverem e fazerem efetivas as possibilidades outorgadas pela Iniciação; por esse motivo a utilidade prática destes graus é indubitável e constituem a hierarquização que coroa o processo de Conhecimento, tendo em conta sempre o caráter iniciático da organização, como nos adverte isso o autor, que também nos põe em guarda sobre o perigo de que estes graus se dediquem a problemas sociais ou políticos, mutáveis por natureza, e portanto afastados dos alicerces do Templo maçônico, construído em pedra. (Ver "René Guénon": artigo "Os Altos Graus").

No simbolismo maçônico, tal como no Alquímico, o sol e a lua exercem um papel fundamental e se os encontra em lugares tão essenciais como nos quadros e na decoração das lojas maçônicas (localizado-se em seu Oriente). Certamente que se trata dos princípios ativo e passivo, que também se correspondem às colunas Jakín e Boaz, que deste modo assinalam a oposição destas energias, ao mesmo tempo que sua conjunção num eixo invisível, do qual tende o prumo o Grande Arquiteto do Universo. Sem deixar de dar primazia a este significado geral, deve também se ter em conta a realidade destes astros, já que existe um calendário maçônico cujos dois pontos extremos constituem, como em quase todas as Tradições, os solstícios de verão e de inverno, festividades dos dois São Joões, que marcam os pontos limites do sol em seu percurso, sinalizando também os pontos intermédios correspondentes aos equinócios na roda temporal, e nos introduzem na doutrina dos ritmos e dos ciclos. Por outra parte, existe uma preeminência entre estas luminárias, já que a lua resplandece graças à luz solar, conceito que não é alheio à Tradição Hermética e à Cabala, posto que ambas são utilizadas de maneira generalizada para indicar graus de Conhecimento, ou etapas no percurso iniciático. Jean Tourniac no prólogo ao conhecido Tuileur de Vuillaume 21 aponta, referindo-se aos ciclos, a semelhança do paredro simbólico lua-sol ao do simbolismo solar e do polar. Esta associação que possui indefinidas vias de desenvolvimento, poderia igualmente relacionar-se com dois aspectos da Maçonaria, encarnados nas figuras míticas de Salomão (solar) e Pitágoras (polar), que por sua vez - e isto não o diz Tourniac - guardariam alguma analogia com os graus simbólicos (Maçonaria Azul) e os Altos Graus, ou ao menos, supostamente isto é o que pretenderam aqueles que foram instituindo estes últimos.

A literatura sobre a Maçonaria, ou as investigações históricas sobre a Ordem, soem incluir os autores, meios e escritos anti-maçônicos, tão confuso é o panorama a respeito de suas origens e fins, havendo-se criado uma série de "lendas" paralelas, o que ocasiona que certos investigadores custem cruzar uma espécie de fronteira "maldita" e invisível que obedece às "lendas negras" a respeito da Maçonaria como as divulgadas por Leo Taxil na França, muitas delas originadas no catolicismo. Outro tipo de críticas, não referentes a seu conteúdo espiritual, funda-se na atuação política e econômica de algumas lojas maçônicas que utilizando a estrutura maçônica, e aproveitando-se da independência das Oficinas, auferiram vantagens desse modo da Ordem e do público, projetando uma imagem distorcida da Maçonaria. Deverá se reconhecer que isto foi desse jeito em ocasiões, embora simultaneamente é o que acontece há anos com todas as instituições, cuja decomposição é evidente. Em algumas sociedades a Ordem goza ainda do prestígio que teve no passado, e em certos países sua força espiritual, como gestora de grandes empreendimentos deixou rastros claros, que hoje são seguidos. Às vezes há maçons que ainda não conhecem a Maçonaria, ou acreditam que é outra coisa mais concreta e material, mas todos eles têm claro seu lema: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, e cumprem seu Rito de acordo a seus Antigos Usos e Costumes. Se não tivesse sido pela coerência e pelo conteúdo espiritual-intelectual, que os símbolos e os ritos manifestam, a Maçonaria seria mais um absurdo e, em todo caso, talvez não tivesse chegado até nossos dias.

Outra coisa que deveria ser assinalada é a curiosidade por saber qual é o grau real de Conhecimento que tem tal ou qual maçom, ou em geral, este ou aquele Iniciado; mas isso a quem interessa? que importância tem e diante de quem?

Essa pergunta, como é lógico, não cabe nos limites de uma investigação histórica baseada na documentação, e portanto é muito difícil estabelecer origens claras e seqüências lógicas num tema que não é [claro], embora se tente forçá-lo [como tal]. Um destes investigadores, o já mencionado J. A. Ferrer Benimelli, que tem mais de vinte interessantes obra publicadas sobre Maçonaria, e que ignora sistematicamente a Hermes, informa-nos: "Bernardin, em sua obra Notas para servir à história da Maçonaria em Nancy até 1805, depois de comparar duzentas e seis obras que tratavam dos origens da Maçonaria, encontrou trinta e nove opiniões diversas, algumas tão originais como as que fazem descender a Maçonaria dos primeiros cristãos ou do próprio Jesus Cristo, de Zoroastro, dos Magos ou dos Jesuítas; para não citar as teorias mais conhecidas, as chamadas 'clássicas', que remontam a Franco-maçonaria aos Templários, aos Rosacruzes ou aos judeus" e adiciona em nota: "Destes trinta e nove autores, vinte e oito atribuíram os origens da F. M. aos pedreiros construtores do período gótico; vinte autores se perdem na antigüidade mais longínqua; dezoito os situam no Egito; quinze se remontam à Criação, mencionando a existência de uma loja maçônica maçônica no Paraíso Terrestre; doze, aos Templários; onze, à Inglaterra; dez, aos primeiros cristãos ou ao próprio Jesus Cristo; nove, à antiga Roma; sete, aos primitivos Rosacruzes; seis, à Escócia; outros seis, aos judeus, ou à Índia; cinco, aos partidários dos Stuart; outros cinco, aos jesuítas; quatro, aos druidas; três, à França; o mesmo número o atribuem: aos escandinavos, aos construtores do templo do Salomão, e aos sobreviventes do dilúvio; dois, à sociedade 'Nova Atlântida', de Bacon, e à pretendida Torre de Wilwinning [Kilwinning]. Finalmente, à Suécia, China, Japão, Viena, Veneza, aos Magos, à Caldéia, à ordem dos Essênios, aos Maniqueos, aos que trabalharam na Torre de Babel e, por último, um que afirma que existia a F. M. antes da criação do mundo." 22
Brasão do Capítulo dos Rosacruzes
de Heredom de Kilwinning, Paris 1776


Análogo quanto à confusão das origens, é o que acontece na Tradição Hermética, com o mito do Hermes e Hermes Trismegisto, e com todo mito ou origem, e por certo com o Corpus Hermeticum, livros que, como vimos anteriormente, 23 condensam e recordam o saber dessa Tradição. Efetivamente, Jean-Pierre Mahé, um estudioso que junto com P. J. A. Festugière dedicou sua vida ao estudo destes textos, acredita que os fragmentos em armênio desta literatura procedem do primeiro século anterior a esta era e que as versões posteriores conservadas em grego, latim e copta, desprendem-se delas sendo seu conteúdo nitidamente pagão, fora de influências gnósticas e cristãs que com certa liberalidade lhe atribuíram. É interessante observar como este estudioso, ao longo de seu trabalho mais importante a respeito, Hermès en Haute-Egypte 24, onde coteja diferentes versões do Corpus entre si, com outros manuscritos encontrados em Nag-Hammadi e com autores da antigüidade, etc. chega à conclusão de que todos eles estão aparentados, que procedem de uma única fonte, e inclusive têm um tom, um ar, um aspecto comum, que também se manifesta em seu estilo, opinião que compartilhamos. Mas este saber, próprio do Corpus, 25 que Mahé vê como solene, repetitivo, contraditório e sentencioso, em suma como má literatura (o que é boa literatura e quem está em capacidade de defini-la e com relação a que?), parece-nos difícil de apreciar com parâmetros lógicos, por mais esforço e trabalho que se ponha nisso, e pese à valiosíssima contribuição que supõe o estabelecimento destes textos, sua tradução e comentário, embora estejam reiteradamente vistos de uma perspectiva totalmente alheia à que os textos possuem. Daí o perigo de se aproximarem de coisas de uma ordem determinada com meios que, por sua natureza, não são os correspondentes, já que eles mesmos estão formados por séries de condicionamentos pertencentes ao mundo profano, que ainda uma assombrosa erudição não sabe esconder, pois aparecem aqui e acolá na literalidade dos delineamentos, o infantilismo das concepções, a desproporção abismal entre o sentido sapiencial-emocional do texto e a leitura "universitária", quer dizer, profana que se faz do mesmo. 26 Não se deve tratar uma sociedade iniciática por suas ações humanitárias ou altruístas exclusivamente, pois se corre o perigo de desvirtuar a autêntica razão de sua existência.

Outro assunto mais ou menos utilizado como crítica, tanto da Maçonaria como do Hermetismo, é seu caráter pretendidamente sincrético. Em primeiro lugar nos parece imperdoável o abuso que se faz desta palavra, que equivale para alguns a uma desqualificação. O Cristianismo, o Islã, o Budismo, a Antigüidade Greco-romana, inumeráveis Tradições arcaicas, inclusive a Civilização Egípcia e a China, poderiam hoje ser julgadas como "sincréticas" à luz dos documentos mais antigos e sem mencionar a idéia de uma Tradição Unânime, além desta ou daquela forma. Efetivamente, o termo esteve em voga numa época em que a investigação antropológica e a História das Religiões estavam em fraldas, e se acreditava na "pureza", tanto de certas culturas, conceito muito perigoso, além do mais, capaz de derivar no engano das raças como religiões. Desgraçadamente este termo seguiu sendo usado, e é utilizado por alguns como uma arma esgrimida para condenar aquilo que imaginam não lhes convir, ou que escape a suas simplificações elementares. Muito perto está a História da Igreja, seus Concílios e a formação de seus Dogmas, sua Teologia, a História dos Papas, etc., para que, em todo caso, a Cristandade possa reprovar à Tradição Hermética e à Maçonaria, algo neste sentido, e o dito poderia ser generalizado a outras religiões e influências espirituais que compõem a Cultura do Ocidente. São inumeráveis as correntes que formaram esta Civilização, a maior parte das quais, de um modo ou de outro, coexistem conosco mesmos, e devemos dar graças a Deus, em nome de nossa cultura, porque estas inter-relações naturais que se transvasam com as migrações humanas de um povo e sua língua a outro, existiram sempre, pese à ácida recriminação de sincretismo, emanada de supostas autoridades baseadas em imaginárias estruturas caducas.

Definitivamente, os diversos componentes da Maçonaria não impedem que esta adaptação da Ciência Sagrada, da Filosofia Perene, seja totalmente Tradicional, senão mais provam o contrário assim que se consideram em suas doutrinas, quer dizer: em si.


(2)

NOTAS
1 O mesmo Findel no Anexo de sua História publica o primeiro documento de que dispomos, datado em 1419, sobre os trabalhadores de canteiros alemães.
2 "Parece-nos indiscutível que ambos os aspectos, operativo e especulativo, estiveram sempre reunidos nas corporações da Idade Média, que empregavam, por outra parte, expressões tão nitidamente herméticas como a de 'Grande Obra', com aplicações diversas, mas sempre Analogicamente correspondentes entre elas." R. Guénon, Etudes sur la Franc-Maçonnerie et le Compagnonnage T. II, cap. "A propos des signes corporatives et de leur sens originel". Ed. Traditionnelles, Paris 1986.
3 Enciclopédia Britânica. Artigo 'Freemasonry', edic. 1947.
4 Ver Claude Tannery "Le Corpus Hermeticum (Introduction, pour des dévéloppements ultérieurs, à l'hermétisme et la maçonnerie)"; nº 12 revista Villard de Honnecourt, Paris 1986. as referências a Hermes e à Tradição hermético-alquímica na literatura maçônica são muito abundantes como já dissemos; não há o que dizer de Pitágoras, tema que é tratado em outro estudo deste mesmo nº do V. do Ir.: Thomas Efthymiou, "Pythagore et sa présence dans la Franc-maçonnerie".
5 Ver E. Mazet "Eléments de mystique juïve et chrétienne dans la franc-maçonnerie de transition (VIe-VIIe s.)"; nº 16, 2ª série, igualmente da revista Travaux de la loge nationale de recherches Villard de Honnecourt. O autor publicou nesta, que edita os trabalhos da loja maçônica de estudos do mesmo nome, adscrita à Grande Loge Nationale Française, outras colaborações igualmente interessantes sobre aspectos documentais da Maçonaria. Na verdade, esta revista junto com a Ars Quatuor Coronatorum, também órgão difusor de uma loja maçônica de estudos homônima, (Quatuor Coronati Lodge) e que desde 1886 tem já mais de 80 volumes publicados na Inglaterra, são as melhores fontes que se podem achar para o estudo integral da Maçonaria.
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É conhecida a importância da Tetraktys pitagórica em qualquer tipo de conhecimento metafísico e cosmogônico. Por outra parte, a relação das harmonias musicais em relação aos números, em particular com a escala dos sete primeiros, é também um tema pitagórico que a Maçonaria e o Corpus Hermeticum recolhem em forma de graus e toques de reconhecimento ligados com as esferas planetárias e os Regentes que as governam. Há que se adicionar os distintos teoremas geométricos pitagóricos, conhecendo-se a importância que para a Maçonaria e para a ciência e arte de construir possuem; só bastaria assinalar entre eles o do triângulo retângulo, posteriormente enunciado por Euclides, outro dos ancestrais maçônicos, como já mencionamos. Em 1570 John Dee, conhecido mago elisabetano e notável matemático que exercera um papel tão importante no Hermetismo inglês e no europeu publicou um famoso prólogo aos "Elementos de Geometria" de Euclides. Como é sabido, os ensinos de Dee foram retomados por Robert Fludd, que editou em 1619 seu Utriusque Cosmi Historia e por seu intermédio, concatenadamente, fizeram-no os futuros integrantes da maçonaria especulativa.
7 J. A. Ferrer Benimelli, "Bibliografía de la Masonería" - Fundación Universitaria Española - Madrid - 1978, pág. 112. Este sacerdote jesuíta que deu impulso aos estudos maçônicos em língua castelhana –a ponto de que alguns autores sobre maçonaria, como J. A. Vaca de Osma (La Masonería y el Poder), chegam a se perguntarem se verdadeiramente não é membro da Ordem– tem, entretanto, uma idéia escassa sobre ela, tomando-a como uma sociedade filantrópica e espiritualista, não lhe outorgando nenhuma categoria iniciática, termo que jamais emprega e que parece inclusive desconhecer em sua verdadeira dimensão.
8 La Symbolique au Grade d'Apprenti, La Symbolique au Grade de Compagnon, La Symbolique au Grade de Maître, Edimaf, París 1986, íd, y 1990; La Symbolique des Nombres, íd. 1984. Também queremos destacar aqui os livros amplamente conhecidos em castelhano assinados por Magister (Aldo Lavagnini): Manual del Aprendiz, del Compañero, del Maestro, del Gran Elegido, etc. De fato, todos os manuais maçônicos têm menções aritmético-geométricas.
9 Desde 1824, Thomas de Quincey destacava em um periódico londrino a conjunção da Maçonaria com o rosacrucianismo como um tema conhecido.
10 A genealogia maçônica é também bíblica, embora se combine com a Egípcia. Deve se recordar a relação de Israel com o Egito na época de Moisés e ainda o simbolismo do Egito nos evangelhos cristãos. Segundo o livro I dos Reis, 3-1, há uma filiação direta entre o Rei Salomão e o Egito, já que aquele era genro do Faraó, seu vizinho.
11 "The few notes on his conexion with Freemasonry which Ashmole has left are landmarks in the sparsely documented history of the craft in the seventeenth century". C. H. Josten, Elias Ashmole. Ashmolean Museum and Museum of The History of Sciences, Oxford 1985. Estes diários foram publicados sob o título: Elias Ashmole, His Autobiographical and Historical Notes, his Correspondence and other Contemporary Sources relating to his life and Work. Introd. C. H. Josten, 5 vol. Deny, 1967.
12 De acordo às mudanças que demandam os ciclos e os ritmos, às quais não se pode subtrair nenhuma Tradição ou Organização, por iniciática que seja, e que marcam as diferentes fases e formas em que se expressa a Cosmogonia Perene, e portanto também assinalam as adaptações históricas à mesma.
13 Segundo Geoffrey de Monmouth em "História dos Reis da Britania" (1135-39), uma das primeiras crônicas escritas sobre a História da Inglaterra, os ilhéus procedem dos troianos que chegaram a suas costas, passando antes pela França, vindos da Grécia, onde permaneciam os descendentes dos que sobreviveram à famosa guerra.
14 Algo análogo quanto suspeita de herético, defeituoso, ou falso, acontece com os sistemas, ou religiões, do Oriente. Com a condição de que estas últimas gozam nos meios ocidentais de um maior prestígio generalizado, embora estes às vezes não conseguem evitar o desdém, ou a fobia, pelo fato de serem politeístas, outro termo que em boca de alguns pareceria ser um insulto.
15 É óbvio o crescimento da Maçonaria com o nascimento dos burgos e a cultura das cidades, que sempre necessitaram construtores para sua efetivação, pelo que não é difícil inferir que muitas cidades mais ou menos importantes da Europa, assim como a construção de castelos, fortificações, conventos e palácios, foram realizadas por arquitetos, diretores de obra e pedreiros maçons, sem contar os carpinteiros e marceneiros, vitralistas, escultores e pintores, todos eles iniciados nos segredos de seu ofício. Isto se observa claramente na época moderna (e tem que ver também com a passagem do operativo ao especulativo), em relação com o incêndio da cidade de Londres que incluiu a catedral de S. Paulo e que teve que ser totalmente reconstruída por mão-de-obra especializada dirigida pelo arquiteto Christopher Wren, maçom de alta hierarquia na Ordem e de reconhecido renome, que efetuou este gigantesco trabalho no menor tempo possível. O incêndio de Londres é um tema fundamental na história da Inglaterra e na Maçonaria em geral. Sua reconstrução, efetuada por maçons, é um símbolo cíclico relacionado com a perenidade da Ciência Sagrada que, manifestando-se em qualquer parte, expressou-se em uma cidade tão mágica, como é o caso da capital inglesa.
16 Medieval Craftsmen, Masons and Sculptors. British Museum, 1991.
17 Cf. Villard de Honnecourt, Cuaderno, siglo XIII. Apresentado e comentado por Alain Erlande-Brandenburg, Régine Pernoud, Jean Gimpel, Roland Bechman. Ed. Akal, Madrid 1991.
18 É importante fazer constar, dos começos, a presença de militares em todas as lojas maçônicas. Isto chegou a ser tão comum que, inclusive, algumas delas foram exclusivamente militares, tanto as que se organizaram em bases militares, como as que funcionavam em navios, seja em alto mar ou em portos.
19 Como se sabe, uma corrente numerosa de maçons liga especialmente com a Origem Templária, Escocesa e Jacobita da Ordem, para a qual exibem numerosos testemunhos e fatos muito prováveis. Isso sem que esta corrente negue a herança Pitagórica, Hermética e Platônica, e tampouco a das corporações de construtores, dos Rosacruzes e a influência judaica dada pelo mito de Hiram e a construção do Templo de Salomão. Michael Baigent e Richard Leigh, em seu livro The Temple and the Lodge (Londres 1989) apoiando a validade desta origem que desenvolvem em sua obra desde a Idade Média ao século XVIII afirmam: pág. 187, "Ela [a Maçonaria] tinha suas raízes em famílias e associações vinculadas pelo antigo juramento de fidelidade aos Stuarts e à monarquia Stuart. (...) Jaime I, um rei escocês que era ele mesmo maçom." Na obra de Robert Kirk, The Secret Common-Wealth, ("La Comunidad Secreta". Madrid, Siruela 1993) escrita em 1692, a respeito de "Os costumes mais notáveis do Povo da Escócia", este erudito historiador do mais antigo "folclore" escocês e da cultura celta, anota no parágrafo "Singularidades da Escócia", e como característica desse reino a: "A palavra maçônica, da qual, embora alguns haja que façam mistério dela, não ocultarei o pouco que sei. É como uma tradição rabínica, como comentário relacionado a Jakín e Boaz, as duas colunas eretas do Templo do Salomão, à qual vem se acrescentar algum sinal secreto, que passa de mão em mão, graças ao qual eles se reconhecem e familiarizam entre si."
20 Outros se consideram, no Rito Escocês Antigo e Aceito: "de perfeição", "capitular" e "administrativos".
21 Vuillaume, le Tuileur. Ed. du Rocher, Mónaco 1990, reimpressão do de 1830. Manual maçônico que contém os seguintes Ritos praticados na França: Escocês Antigo e Aceito, Francês, da Maçonaria de Adoção, e Egípcio ou de Misraím. Ver resenha (em espanhol).
22 José A. Ferrer Benimelli, la Masonería Española en el siglo XVIII. Siglo XXI de España Editores, Madrid 1986.
23 "Os Livros Herméticos". SYMBOLOS Nº 11-12, Guatemala 1996. (Reproduzido em página do autor. – Portuguès : em construção ).
24 Les Presses de l'Université Laval, Quebec 1978-1982. 2 vol.
25 E que é comum ao resto da literatura hermética, inclusive a Alquimia.
26 O discurso do Corpus é efetivamente reiterativo e se repetem certos axiomas ou máximas num tom que comporta certa solenidade, um "estilo" para ser identificado entre outros tons, e também porque lhe imprime uma cadência musical, que à par que fixa a memória, é um agente "invocador".