terça-feira, 29 de maio de 2012

O Portão Secreto para o Éden


No Túmulo de Christian Rosencreutz

No Túmulo de Christian Rosencreutz

Fernando Pessoa

I

Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,
Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida...
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui.

Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,

Foi criado, e a Verdade lhe morreu...
De além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.

II

Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, for levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;

Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue atual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.

III

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.
Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

[…]
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rosa e a cruz conhece e cala.

Outros Axiomas Herméticos

"Os lábios da Sabedoria estão fechados, exceto aos ouvidos do Entendimento."

"Em qualquer lugar que se achem os vestígios do Mestre, os ouvidos daqueles que estiverem preparados para receber o seu Ensinamento se abrirão completamente."

"Quando os ouvidos do discípulo estão preparados para ouvir, então vêm os lábios para enchê-los com Sabedoria."

"Os Princípios da Verdade são Sete; aquele que os conhece perfeitamente possui a Chave Mágica com a qual todas as Portas do Templo podem ser abertas completamente."

"A Mente (tão bem como os metais e os elementos) pode ser transmutada de estado em estado, de grau em grau, de condição em condição, de pólo em pólo, de vibração em vibração. A verdadeira transmutação hermética é uma Arte Mental."

"Para mudar a vossa disposição ou vosso estado mental, mudai a vossa vibração."

"Para destruir uma desagradável ordem de vibração mental, ponde em movimento o Princípio de Polaridade e concentrai-vos no pólo oposto ao que desejais suprimir. Destruí o desagradável mudando sua polaridade."

"O Ritmo pode ser neutralizado pela aplicação da Arte de Polarização."

"Sob as aparências do Universo, do Tempo, do Espaço e da Mobilidade, está sempre encoberta a Realidade Substancial: a Verdade fundamental."

"Aquele que é a Verdade Fundamental, a Realidade Substancial, está fora de uma verdadeira denominação, mas o sábio chama-o O Todo."

"Na sua Essência, O Todo é incognoscível."

"Mas os testemunhos da Razão devem ser hospitaleiramente recebidos e tratados com respeito."

"O Universo é Mental: ele está dentro da mente d'O Todo."

"O Todo cria na sua Mente infinita inumeráveis Universos, que existem por eons de Tempo; e, contudo, para O Todo, a criação, o desenvolvimento, o declínio e a morte de um milhão de Universos é como que o tempo do pestanejar dum olho."

"A Mente Infinita d'O Todo é a matriz dos Universos."

"Dentro da Mente Pai-Mãe, o filho mortal está na sua morada."

"Não há nenhum órfão de Pai ou de Mãe no Universo."

"Enquanto Tudo está n'O Todo, é também verdade que O Todo está em Tudo. Aquele que compreende esta Verdade alcançou o grande conhecimento."

"Os falsos sábios, reconhecendo a irrealidade comparativa do Universo, imaginaram que podiam transgredir as suas Leis: estes tais são vãos e presunçosos loucos; eles se quebram na rocha e são feitos em pedaços pelos elementos, por causa da sua loucura. O verdadeiro Sábio, conhecendo a natureza do Universo, emprega a Lei contra as leis, o superior contra o inferior; e pela Arte da Alquimia transmuta aquilo que é desagradável naquilo que é agradável, e deste modo triunfa. O Domínio não consiste em sonhos anormais, em visões, em vida e imaginações fantásticas, mas sim no emprego das forças superiores contra as inferiores, escapando assim das penas dos planos inferiores pela vibração nos superiores. A Transmutação não é uma denegação presunçosa, é a arma ofensiva do Mestre."

"A posse do Conhecimento sem ser acompanhada de uma manifestação ou expressão em Ação é como o amontoamento de metais preciosos, uma coisa vã e tola. O Conhecimento é, como a riqueza, destinado ao Uso. A Lei do Uso é Universal, e aquele que viola esta Lei sofre por causa do seu conflito com as forças naturais."

Introdução aos Ritos e Rituais Herméticos e Alquímicos do Século XVIII

Introdução aos Ritos e Rituais
Herméticos e Alquímicos do Século XVIII

José Manuel Anes

A Alquimia operativo-laboratorial (1) - a que é praticada em laboratório - é um
rito sacrificial em que o alquimista sacrifica a matéria, constituindo esse rito (2)
urna actividade individual. Apesar disso, os alquimistas reuniam-se por vezes em
escolas, mesmo que reduzidas ao Mestre e ao discípulo, e trocavam opiniões
entre si dentro de uma mesma escola, ou entre alquimistas de diversas escolas
(3).
Existiram, no entanto, a partir de meados do século XVIII (e sobretudo nesse
século), ritos e rituais herméticos e alquímicos que não pretendiam fazer alquimia,
mas preparar o candidato para uma assimilação dos princípios herméticos e da
prática alquímica, num contexto ritual e dentro de um grupo organizado, através
de uma cerimonia iniciática onde seriam revelados - na iniciação, na instrução e
no catecismo - os segredos alquímicos.
Grande parte desses ritos e rituais foram criados num contexto maçônico,
constituindo (altos) graus maçônicos, como o ritual (do grau) de Cavaleiro do Sol,
ou mesmo um sistema (rito) maçônico, como o Rito Hermético de Dom Pernety,
ou a Estrela Flamejante do Barão de Tschoudy.
Ocorre, a propósito, referir que alguns destes graus herméticos ou alquímicos
ocorreram no seio da Maçonaria "dos Antigos", ou do universo maçônico por ela
influenciado (e que tem raiz no hermetismo renascentista, nos Rosa-Cruzes do
século XVII, etc.), mais aberta (e mesmo entusiasta) a receber ensinamentos
provenientes de correntes esotéricas como a Cabala, a Teurgia, a Alquimia,
etc., e interpretações esotéricas de tradições como a Cavalaria - como os
ritos "escoceses", quer o Antigo e Aceite, quer o Rectificado, mas também os
ritos de York, da Ordem Real da Escócia (Heredom de Kilwining e Cavaleiro
Rosa-Cruz) e do Rito Sueco, proveniente, como o Rito Escoçês Rectificado,
da maçonaria da Estrita Observância Templária alemã, e mesmo, ainda que
não "regulares", os ritos "egípcios" de Cagliostro, de Misraim, etc. -, o que não
se passa, de modo algum, na Maçonaria mais exotérica "dos Modernos" (como,
p.ex., o Rito de Emulação, inglês, e o Rito Francês) (4).
Vamos analisar, brevemente, alguns desses rituais e ritos - maçônicos ou para-
maçônicos -do séc. XVIII (o último dos quais, o de Misraim, fixado em começos do
século XIX, a partir de materiais do século XVIII).
A) O "Ritual alquímico secreto do grau de verdadeiro maçon académico" (1770)
(5) de Dom Pernety (1716-1796) e dos seus "Iluminados de Avignon".

Antoine Joseph Pernety (Dom Pernety) nasceu em 1716 em Roanne-en-Forez e
pronunciou os votos como beneditino da congregação de Saint-Maur, em 1732,
na Abadia de Saint-Alllire de Clermont. Muito inteligente e culto - versado em
Matemáticas, Ciências Naturais (participa na expedição de Louis de Bouganville
às Ilhas Maldivas) e Pintura e Escultura (6) -ele encontra, na biblioteca da Abadia
de Saint-Germain-des-Prés, o livro do abade Lenglet-Dufresnoy, Histoire de la
Philosophie hermétique (Paris, 1742), completado com a tradução do Véritable
Philalète (Entré au Palais fermé du Roi), que desperta nele uma paixão que
perdurará até ao fim da sua vida: a Alquimia. Em 1758 (e 1786) (7), publicará
as Fables égyptiennes et grecques dévoilées et réduites au même principe e
em 1758 (e 1787), o Dictionnaire mytho-hermétique, dans lequel on trouve les
allégories fabuleuses des poètes, les métaphores, les énigmes et les termes
barbares des philosophes hermétiques expliqués (B) . Em ambos os livros
(mas particularmente no primeiro, ao qual ele se refere constantemente no
Dictionnaire), Dom Pernety propõe-se dar uma explicação alquímica das "fábulas"
da Antiguidade (Elíada, Odisseia, etc.) e também dos mitos religiosos egípcios
que, segundo ele, conteriam todos os segredos da Grande Obra.
Tendo entrado em conflito com a congregação monástica beneditina de Saint-
Germain-des-Prés, o nosso abade chega a Avignon em 1766, onde propõe
desde logo um novo rito maçônico, o rito hermético, que foi adoptado pela Loja
aristocrática dos Sectateurs de la Vertu (à qual ele parece aderir sem sabermos se
ele já era maçom anteriormente ou se nela foi iniciado).
O rito (ou regime) de Pernety - inteiramente baseado no Hermetismo e destinado
a cristãos discretamente sapientes (9) - era constituído por seis (altos) graus, para
além dos três graus simbólicos (de Aprendiz, de Companheiro e de Mestre):

1. Verdadeiro Maçom

2. Verdadeiro Maçom na via recta

3. Cavaleiro da Chave de Ouro

4. Cavaleiro da Iris

5. Cavaleiro dos Argonautas

6. Cavaleiro do Tosão de Ouro.

O ensino hermético era dado pelo Orador da Loja, desde o primeiro alto grau (de
Verdadeiro Maçom): «Ia science à laquelle nous vous initions, est Ia premiere et
Ia plus ancienne de toutes les sciences. Elle émane de Ia nature, ou plutôt c' est
Ia nature elle-même, perfectionnée par I' art et fondée sur I' expérience. Dans
tous les siècles, il y a eu des adeptes de cette science, et si, de nos jours, des
chercheurs y consument en vain leurs biens, leurs travaux et leurs temps, c'est
que, loin d'imiter Ia simplicité de Ia nature et de suivre des voies droites qu' elle
trace, ils Ia parent d'un fard qu' elle ne peut souffrir et s' égarent dans un labyrinthe
où leur folle imagination les entraîne.(10)
A partir de 1766-7, Dom Pemety está em Berlin como bibliotecário de Frederico
II. Nesta cidade conhece outros hermetistas, toma contato com as doutrinas de
E. Swedenborg (relativo aos contatos com entidades celestes) e aperfeiçoa o
seu Rito Hermético. Em 1783 recebe a "Santa Palavra" de uma entidade celestial
que lhe ordena que abandone a Prússia e retome a Avignon, para fundar o grupo
dos "Iluminados" - na sequência dos "Iluminados de Berlim", a que pertencera. Em
1787, o Rito tem cerca de uma centena de elementos e em 1789 é já célebre nos
meios esotéricos.
A Instrução (ou Catecismo) - do Grau de Verdadeiro Maçom Acadêmico - contém
perguntas e respostas (11) relativas à teoria alquímica e também algumas alusões
à sua prática (tradução é nossa):
P. -Por onde andaste?
R. -A percorrer o céu e a terra.
P. -O que viste?
R. -O caos.
P. -Quem o criou?
R. -Deus.
P. - Quem o produziu?
R. -A Natureza.
P. -Quem o aperfeiçoou?
R. -Deus, a natureza e a arte.
P. -O que entendes por caos?
R. -A matéria universal sem forma e susceptivel de adquirir toda a forma.
P. -Qual é a sua forma?
R. -A luz encerrada nas sementes de toda a espécie.
P. -Qual é a sua ligação?
R. -O espirito universal cido.
P. - Sabes trabalhar a matéria universal?
R. -Sim, Sapientíssimo.
P. -De que é que te serves para esse fim?
R. -Do fogo interno e externo.
P. -O que é que resulta disso?
R. -Os quatro elementos que são os princípios principiantes e mediantes.
P. -Como é que eles se denominam?
R. -O fogo, o ar, a água e a terra.
P. -Quais são as suas qualidades?
R. -O quente, o seco, o frio e o úmido. Acopuladas duas a duas, dão
respectivamente: a terra, seca e fria; a água, fria e úmida; o ar, úmido e quente;
o fogo, quente e seco, o qual se vem a conjugar com a terra, pois os elementos
são circulares como o vento, o nosso pai Hermes.
P. -O que é que produz a mistura dos quatro elementos? E as qualidades de que
tudo é composto?
R. -Os trés princípios principiantes mediatos.
P. -Que nome Lhes dás?
R. -Mercúrio, enxofre e sal.
P. -O que entendes por mercúrio, enxofre e sal?
R. -Eu entendo-os como mercúrio, enxofre e sal filosóficos e não vulgares.
P. -O que é o mercúrio filosófico?
R. -É uma água e um espírito que dissolve e sublima o sal.
P. -E o que é o enxofre?
R. -É um fogo e uma alma que o guia e o colora.
P. -O que é o sal?
R. -É uma terra e um corpo que se congela e se fixa e tudo isso se faz mediante o
veiculo do ar.
P. -O que decorre destes três princípios?
R. -Os quatro elementos rodopiados como diz Hermes, ou os grandes elementos
como diz Raimundo Lúlio, que são o mercúrio, o enxofre, o sal e o vidro, dos quais
dois voláteis, a saber a água e o ar, que é o óleo, porque toda a substância liquida
pela sua natureza dissipa o fogo, e a terra pura que é o vidro sobre o qual o fogo
não tem ação (...)
P. -O que entendem por mistos?
R. -Os animais, os vegetais e os minerais.
P. -Quem dá aos mistos o movimento, o sentimento, o alimento e a substância?
R. -Os quatro elementos: o fogo dá o movimento, o ar dá o sentimento, a água, o
alimento, e a terra, a substância.
P. -Para que servem os quatro elementos redobrados?
R. -Para engendrar a Pedra Filosofal se se for bastante industrioso para Ihes dar o
fogo conveniente e Ihes dar os pesos da natureza.
P. -Qual é o grau de fogo?
R. -Trinta e duas horas para a putrefacção, trinta e seis para a sublimação,
quarenta para a putrefacção...
B) Os rituais alquímicos do Barão de Tschoudy (1724 -1769) e os Estatutos
dos "Filósofos Desconhecidos":
O nome desta Sociedade dos "Filósofos Desconhecidos" parece ter sido inspirado
pelos "Estatutos dos Filósofos Desconhecidos", incluidos na obra do Cosmoplita
(o alquimista polaco Michel Sendivogius), Tratados do Cosmopolita novamente
descobertos (12).
-A Estrela Flamejante (1766)
Este Rito é "verdadeiramente alquímico" (13), e no seu catecismo (destinado a
aprendizes, companheiros e professos) é feita uma descrição da Grande Obra
Alquímica, inspirada nos textos do alquimista Michel de Sendivogius (1566-1646),
o Cosmopolita (que também influenciou Dom Pernety), particularmente Nova Luz
Química e Cartas Filosóficas.
Da "instrução para o grau de adepto ou aprendiz Filósofo Sublime e
Desconhecido", retiremos a seguinte passagem:
P. -De que mercúrio devemos servirmo-nos para a Obra?
R. -De um mercúrio que não se encontra sobre a terra, mas que é extraído dos
corpos, mas nunca mercúrio vulgar...
P. - Como chamas a esse corpo?
R. -Pedra bruta ou caos, ou "iliaste'; ou "hylé".
P. -É essa mesma pedra bruta cujo símbolo caracteriza os nossos primeiros
graus?
R. -Sim, é a mesma que os maçons trabalham a desbastar e da qual eles querem
retirar as imperfeições; essa pedra bruta é, por assim dizer, uma porção desse
mesmo caos, ou massa confusa desconhecida e desprezada por todos... (14)
-O Cavaleiro do Sol
A Ordem ou "Sociedade dos Filósofos Desconhecidos" possuiu um sistema
maçônico baseado no Hermetismo e na Alquimia, num contexto cristão, cujo
7°, Grau, de "Cavaleiro do Sol", foi praticamente incluido no 28° Grau do Rito
Escocês Antigo e Aceite (codificado em 1802, em Charleston, E.U.A.) e no 51°,
Grau do Rito de Misraim. A sua palavra de passe é Stibium, Estibina (Sulfureto de
Antimónio), uma das matérias primeiras da Alquimia operativo-laboratorial, e a sua
doutrina contém, segundo Michel Monereau (15), os seguintes temas: 1 -existe um
primeiro princípio, incognoscível, que penetra o universo em todos os seus planos;
2 -a vida humana é apenas um ponto face à eternidade; 3 -a harmonia universal
resulta do equilíbrio engendrado pela analogia dos contrários; 4 -o absoluto é o
espírito que existe por si próprio; 5 -o visível é apenas a mainfestação do invisível;
6 -o mal é necessário à harmonia universal; 7 -a analogia é a única chave da
natureza.(16)
C) A Ordem dos "Arquitectos Africanos" e o "Crata Repoa" (1770)
A Ordem dos "Arquitectos Africanos", ou dos "Irmãos Africanos" ("africanos"
querendo dizer "egípcios"), foi instituída em 1767, na Prússia, sob os auspícios
de Frederico o Grande (inspirador e protector de outros graus e ritos maçónicos
entre os quais o Rito Escocês Antigo e Aceite) e teve como Grão Mestre von
Koppen, ilustre membro da Estrita Observância Templária (organização maçónico-
templária dirigida pelo Barão Carl von Hund). Estava organizada em 7 classes:
1ª, Pastophoris; 2ª, Néocoris; 3ª, Melanophoris; 4ª, Chistophoris; 5ª, Balahata; 6ª,
Astrónomo da Porta de Deus; 7ª, Profeta ou Saphenath Pancah.
Este sistema hermético "visava revelar os segredos do antigo Egipto" (17) e
estava baseado no livro do "Crata Repoa" publicado em 1770, na Alemanha, onde
figuravam os graus desta "antiga maçonaria". Após ter passado pelas Trevas (no
3°. Grau, na "Porta da Morte" do Mestre Osíris), de onde apenas sairia após ter
adquirido "verdadeiros conhecimentos", e de ter atingido a Luz após a "Batalha
das Sombras" do 4°. Grau - onde receberia o "escudo de Isis" -, o iniciado assistia
no 5° Grau a uma representação da morte da Serpente - Typhon, por Horus, finda
a qual o Balahata aprendia a "química" (isto é, a Alquimia), "a arte de decompor as
substâncias e de combinar os metais":
D) Cagliostro e o Ritual da Maçonaria Egípcia
Este ritual -mais hermético do que alquímico-laboratorial, visto que ele aponta no
sentido das "alquimias internas" (não psico-espirituais, mas fisiológico-espirituais)
-inclui umas "quarentenas espirituais", durante as quais cada um receberá
propriamente o Pentágono (Estrela Flamejante), quer dizer, essa folha virgem
sobre a qual os Anjos primitivos imprimiram os seus números e selos, e com a
qual ele se tornará Mestre (...) e o seu espírito ficará cheio de um fogo divino e
o seu corpo se tornará puro como o da criança mais inocente (...) com um poder
imenso, não aspirando senão ao repouso para atingir a imortalidade e poder dizer
dele próprio: Ego sum qui sum (Eu sou o que é).
O objectivo do seu Rito -a imortalidade conquistada durante a vida física -pode ser
resumido por uma frase extraída do seu catecismo: «Tendo sido criado à imagem
e à semelhança de Deus, eu recebi o poder de me tornar imortal e de ordenar aos
seres espirituais para reinar sobre a terra».
Em 1784, Cagliostro fundou a Loja-mãe do seu Rito, "A Sabedoria Triunfante",
mas o Rito em si parece não ter sobrevivido ao seu criador.
E) Os "Arcana Arcanorum" do Rito de Misraim e de Menfis-Misraim
Os "Arcana Arcanorum" (Mistério dos Mistérios) são os últimos graus do Rito
de Misraim e do Rito de Menfis-Misraim que, embora constituídos nos começos
do século XIX, estão baseados em textos do século XVIII (18), entre os quais
provavelmente alguns de Cagliostro.
No 88° Grau "o iniciado deve... receber os influxos celestes e... sentir bater nele
a vida universal, depois de o «orvalho celeste» ter descido nele para fecundar
o germe que ele traz dentro de si". Após o 89°, Grau, que "permite um contacto
com o invisível", vem o 90º. Onde é dito que: «Toda a vida oscila entre estes dois
polos: Matéria e Espírito; Bem e Mal; Felicidade e Sofrimento. Toda a iniciação
deve conduzir-nos da Lua ao Sol, de Isis a Osiris, da Matéria à essência divina».
Segundo Jean-Pierre Giudicielli (19) "É no grau do Cavaleiro Rosa Cruz que se
desenvolve um Wuei Tan (via exterior) e não um Nei Tan, que é a obra mais
avançada. Com efeito, o 18° Grau diz respeito às duas etapas clássicas da via
exterior... Mas é sem equívoco possível, nos últimos graus de Misraim (87°, 88°,
89°, 90°), também chamados Escala de Nápoles, que residem certas chaves
operativas da alquimia interna do Corpo de Glória (nei Tan), a qual já tinha sido
anunciada no 12°. Grau de "Grande Mestre Arquitecto":
A suprema ambição dos Grandes Mestres Arquitectos é de fazer viver em eles a
verdade e de comer o fruto da Árvore do conhecimento, de serem deuses.

Conclusão

Estes ritos e rituais herméticos e alquímicos aparecem, no século XVIII, num
contexto maçônico ou para-maçônico no ambiente iniciático que se pode
denominar, numa perspectiva generalizada, de "Maçonaria dos Antigos", esotérica
e mesmo ocultista.
Por falta de tempo não nos foi possível referir os Ritos da " Rosa Cruz de Ouro"
(Alemanha, 1777) e da "Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema" (Alemanha, 1781),
ambos de natureza hermética e alquímica, o que ficará para uma segunda parte
desta introdução.

Notas

(1) Escolhemos esta denominação para distinguir a alquimia que é
praticada em laboratório -também denominada de "física": embora
ela pretenda promover a espiritualização da matéria, e nesse
sentido ela é também e essencialmente "espiritual" - das alquimias
denominadas "psicológicas", "espirituais", etc., as quais também apresentam
uma operatividade. Há outras alquimias que são também "operativas", como por
exemplo as "alquimias internas" que se desenrolam no interior do corpo humano
(vide a alquimia taoista).
Para uma definição de "alquimia operativo-laboratorial", ver a minha Tese de
Doutoramento em Antropologia (Universidade Nova de Lisboa, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2002), intitulada "Hermes redivivo -
ressurgimentos da alquimia operativo-laboratorial na segunda metade do século
XX: novos movimentos alquímicos franceses".
(2) Para uma discussão deste tema, ver a minha Tese Complementar de
Doutoramento em Antropologia, na mesma Faculdade, "A Alquimia operativo-
laboratorial, como rito sacrificial"
(3) Veja-se a tradição de encontros entre alquimistas, na Catedral de Notre-Dame
de Paris referida nos começos do século XX, pelo alquimista (ou alquimistas...)
Fulcanelli (in "O Mistério das Catedrais", Lisboa, 1973, p.54): «Os alquimistas
do século XIV encontram-se aí, no dia de Saturno, no grande portal ou no
portal de S. Marcelo, ou ainda na pequena Porta Vermelha, toda decorada de
salamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hábito se mantinha ainda no ano
de 1539, "nos domingos e dias de festa" e Noel du Fail diz que «o grande encontro
de tais académicos era em Notre-Dame de Paris». Aí (...) cada um expunha o
resultado dos seus trabalhos, desenvolvia a ordem das suas pesquisas. Emitiam-
se probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se no próprio local a
alegoria do belo livro e a exegese abstrusa dos misteriosos símbolos não era a
parte menos animada destas reuniões.»
(4) Para uma sucinta, mas esclarecedora discussão desta diferença
entre "antigos" e "modernos", veja-se o interessante livro de Jean Solis, Guide
Pratique de la Franc-Maçonnerie, Ed. Dervy, Paris, 2001 (livro que contém, no
entanto, algumas incorrecções sobre as Obediências regulares no mundo, mas
que o autor se propõe rectificar brevemente, conforme comunicação pessoal
recente).
(5) Dom Pemety, Rituel Alchimique Secret, Viareggio, Ed. Rebis, 1981.
(6) Foi tradutor ( e comentador) de um tratado de matemáticas alemão, colaborou
no 8°. Volume de Gallia Christiana, publicou um comentário da Regra de São
Bento, com o título de Manuel bénédictin e, estando já destacado na Abadia de
Saint-Germain des Prés, também um Dictionnaire portatif de peinture, de sculture
et de gravure, procedendo nessa ocasião a estudos de Botânica ( cf. J. Bricaud,
Les Illuminés d'Avignon, pp. 5-7).
(7) Redição em 1971, na Ed. Arché, Milão, e em 1982, nas Ed. La Table
d'Emeraude, Paris.
(8) Reedição em 1972, em Milão, na Arché, e no mesmo ano, na Denoel, em
Paris.
(9) Ver artigo 2 dos Estatutos a p. 3 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.).
(10) J. Bricaud, op. cit., p. 33.
(11) cf. pp. 19-21 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.)
(12) Bernard Roger, "Introdução" a Nouvelle Lumiere Chymique, Paris, Retz ,
1976, p. 23. Ver também Zbigniew Sydlo, Michael Senvivogius and the «Statuts
des Philosophes Inconnus", in "The Hermetic Journal", 1992, pp. 72-91.
(13) Michel Monereau, Les Secretes hermétiques de la Franc-Maçonnerie, Paris,
Axis Mundi, 1989, p.27.
(14) ibid.; a tradução é nossa.
(15) Les Secrets Hermétiques de Ia Franc-Maçonnerie, pp. 26-27.
(16) ibid.; a tradução é nossa.
(17) Michel Monereau, op. cit., pp. 38-39
(18) Michel Monereau, op. cit., pp. 43-44.
(19) In Pour la Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris, Axis Mundi, 1988, p. 68.

Bibliografia
Anónimo -Les Initiations antiques -t. II -Crata Repoa ou Initiations aux anciens
mystères des prêtres d'Égypte, Paris, 1770 (e 1821), reed., Rouvray, Les Éditions
du Prieuré, 1993.
Amadou, Robert -Cagliostro et le Rituel de la Maçonnerie Égyptienne, Paris,
SEPP, 1996.
Bayard, Jean-Pierre -Symbolisme Maçonnique Traditionel- II: Hauts grades et
Rites anglo-saxons, Paris, EDIMAF, 3a. Ed. rev. e aum., 1987.
Bricaud, Joanny -Les Illuminés d'Avignon -étude sur Dom Pernety et son groupe,
Paris, 1927 (reeditada em 1995, pela SEPP, Paris).
Caillet, Serge -Arcanes et Rituels de la Maçonnerie Égyptienne, Paris, Guy
Trédaniel Ed., 1994.
La Sainte Parole des Illuminés d' Avignon, in "Le Fil d' Ariane" no.43-44 (Été-
Automne 1991), Walhain-St-Paul, Belgique, pp.19-51.
Caro, Roger -Rituel F.A.R.+C et deux textes alchimiques inédits, edição do autor,
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Faivre, Antoine -El Esoterismo en el siglo XVIII (trad. espanhola da obra
L'Ésotérisme au XVIIIe Siècle, Paris, 1973), EDAF, Madrid, 1976.
Giudicelli de Cressac-Bachelerie, J.-P. -Pour la Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris,
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Labouré, Denis -De Cagliostro aux Arcana Arcanorum, in "L'Originel" no.2, Paris,
1995.
Mollier, Pierre -Contribuition à l' étude du grade de Chevalier du Soleil, p. I, II, III,
in "Renaissance Traditionelle", Paris, respectivamente, nºs. 91-92 (Junho-Outubro
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Monereau, Michel- Les Secrets Hermétiques de la Franc-Maçonnerie et les rites
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Naudon, Pzul -Histoire, Rituels et Tuileur des Hauts Grades Maçonniques, Paris,
Ed. Dervy, 3a. Ed. ver. e aum., 1984.
Pernety, Dom -Rituale alchimico secreto -Rituel alchimique secret du grade de vrai
Maçon Académicien ( composé en 1770 ), reedição das Edizione Rebis, Viareggio,
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Solis, Jean J. -Guide pratique de la Franc-Maçonnerie, Paris, Ed. Dervy, 2001.
Tschoudy, Baron de -L'Étoile Flamboyante, ou la Société des Franc-Maçons
considérée sous tous les aspects (1766), Gutemberg Reprint, Paris, 1979.
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Ventura, Gastone -Les Rites Maçonniques de Misraim et Memphis, Paris, Eds.
Maisonneuve & Larose, 1986.

O Tarólogo e o Alquimista

A relação do tarot com a alquimia é largamente discutida em listas, congressos e palestras. Não é para menos: as alegorias que se apresentam em muitas pranchas alquímicas possuem uma sensível simetria simbólica com as lâminas do tarot. E podemos até concluir que ambas foram criadas para falar ao nosso inconsciente, como uma exposição arquetípica distante da linguagem convencional.

Entender o tarot é um trabalho desafiador. Mais ainda são as obras alquímicas. Alguns defendem a idéia de que os alquimistas desenvolviam, realmente, experiências químicas para obter resultados físicos; outros acreditam que se tratava de uma metáfora, que a opus (obra alquímica) era puramente interior. Apesar de não descartar a primeira hipótese, sinto que a segunda proposta faz mais sentido, pois era comum durante a Idade Média ilustrar a essência humana de forma figurada.

O tarot surgiu repentinamente na Europa, durante o final do século XIV, sem deixar vestígios concretos de sua origem. Utilizado ludicamente pelos nobres, tornou-se uma "febre" nos 3 séculos seguintes, disseminando-se por países como Itália, França e Espanha, principais fabricantes do baralho nessas épocas. O custo de fabricação de um baralho era muito alto, uma vez que tudo era feito manualmente (em folhas de ouro, por exemplo), sem os recursos tecnológicos da famosa imprensa. Logo, cada pacote de cartas ficava restrito a uma elite, usado como forma de pagamento de tributos, como presente real ou para entretenimento dos nobres. Até o clero conhecia a fama do baralho, mas não havia interferência direta da igreja na utilização do mesmo; volta e meia, algum rei baixava um decreto que proibia o uso das cartas, mas sem sucesso aparente.

Se fizermos um paralelo entre a época do aparecimento do tarot na Europa e a propagação das pranchas alquímicas, veremos que há uma correspondência entre as duas. É sabido também que muitos alquimistas famosos (como Nicholas Flamel, Paracelso, Robert Fludd, Cagliostro, Rober Bacon, dentre outros) mantinham estreita relação com os nobres de suas épocas, os mesmos que podiam ter acesso ao baralho. Também há uma grande "sincronicidade simbólica" entre as duas áreas, particularmente se analisarmos os baralhos clássicos (como o Visconti Sforza, por exemplo) e as pranchas do século XV. Em ambas, o estilo artístico é parecido, em suas cores e traços, além de apresentarem símbolos análogos como o rei, a rainha, o sol, a lua, estrelas, leão, anjo, esqueleto, demônio, dentre outros detalhes que valem a pena ser pesquisados e analisados.

Na alquimia, existem 3 estágios: nigredo, albedo e rubedo, divididos em 7 operações fundamentais, que representam a opus magnum: calcinatio, solutio, coagulatio, sublimatio, mortificatio, separatio, coniunctio. Notemos que o tarot é formado por 3 grupos de 7 lâminas mais o arcano 0 ou 22, denominado Louco ou Bobo (o fole do alquimista). Cada estágio, representa um estado da matéria no processo da transmutação para conquista do ouro filosofal. Podemos, arquetipicamente falando, até arriscar uma analogia entre os estágios e operações alquímicas, e algumas lâminas do tarot, através da simbologia encontrada em cada uma delas:


(1) Calcinatio - essa é a operação primária comumente encontrada na maioria das listas de operações alquímicas. A calcinação é um processo químico que consiste em retirar água de um sólido, através de um intenso aquecimento. Logo, o elemento diretamente responsável é o fogo. O controle do fogo em relação à matéria é o primeiro passo para o alquimista ser bem sucedido em sua opus. Na simbologia do tarot, o arcano "A Força" tem estreita relação com esse estágio, já que o leão é um símbolo ígneo e o homem que o controla (baralho clássico de Sforza) é análogo ao alquimista, que controla a fera.


(2) Solutio - é um dos principais procedimentos da alquimia. A proposta é transformar um sólido num líquido. O sólido pode desaparecer no solvente, como se tivesse sido engolido. Para o alquimista, a solutio significava, com freqüência, o retorno da matéria diferenciada ao seu estado indiferenciado original, isto é, à prima matéria. Nesse caso, o Arcano que tem correspondência é "A Lua", que tem estreita relação com o elemento água, bem o mergulho dentro de si mesmo.


(3) Coagulatio - refere-se, em primeiro lugar, à experiência no laboratório. É o processo de resfriamento, que leva um líquido a se solidificar. Um sólido dissolvido num solvente reaparece quando o solvente é evaporado. O elemento envolvido é a terra. Analogamente, o arcano "O Imperador" vem representar a cristalização, materialização, o plano concreto.


(4) Sublimatio - é o processo de transformação da matéria em ar, por meio de sua elevação e volatização. O elemento aqui envolvido é o ar. O termo "sublimação" vem do latim sublimis, que significa "elevado". Isso indica que a substância se sutiliza a partir de um movimento ascendente. O arcano que podemos corresponder é o "Pendurado" que nos reporta à sutilização da matéria pelo espírito.


(5) Mortificatio / Putrefactio - essa operação marca o estágio nigredo, quando há um escurecimento da matéria. Não há nenhuma referência química quanto a essa operação que, literalmente, é a "morte" da matéria. A putrefactio (estado pertinente a essa operação), é a decomposição que destrói corpos orgânicos mortos. O interessante é que os alquimistas também faziam experiências com material orgânico. O arcano "A Morte" está relacionado diretamente a essa operação.


(6) Separatio - basicamente é a separação dos elementos, a destilação ou extração da substância. Essa é uma operação decisiva para atingir a conclusão da opus alquímica. O impacto do processo é necessário para melhor aproveitamento da substância pura. Nesse caso, o arcano envolvido é "A Torre", que significa a quebra das estruturas para estabelecimento de uma nova ordem.


(7) Coniunctio - é o ponto culminante da opus. É o encontro (casamento) de substâncias opostas para se atingir a fusão ideal para coroação do trabalho alquímico. Há uma coniunctio inferior e outra superior. Enquanto a primeira trata da união de substâncias que ainda não se encontram completamente separadas ou discriminadas, a segunda trata da realização final, a conquista suprema da opus. Na verdade, os dois processos não são distintos entre si. Os arcanos envolvidos são "Os Enamorados" para a coniunctio inferior (o casamento dos opostos) e "O Mundo" para a coniunctio superior (a perfeita integração das substâncias).


Esse é apenas um exemplo puramente ilustrativo como referência aos dois temas. Podemos ainda, considerar a lâmina "O Mago" como o alquimista em seu próprio laboratório, enquanto "A Temperança" é a própria representação da Alquimia (Aleister Crowley, famoso magista do início do século XX, produziu junto à desenhista Lady Frieda Harris o Toth Tarot, onde ilustra o arcano XIV "A Temperança" com o nome de Arte, a Alquimia).

No baralho de Wirth, vemos o arcano "O Diabo" com a famosa frase alquímica desenhada em seus braços: "Solve et Coagula" ("dissolve e solidifica"), uma referência à Opus Alquímica.

A busca do alquimista é pelo "Ouro e pela Pedra Filosofal", assim como a busca do tarólogo é pela Consciência e Sabedoria Interior. Ambos estão seguindo a mesma via: a transcendência pelo mundo simbólico. Ambos trabalham diretamente com o inconsciente e se valem do "laboratório pessoal" para atingir com sucesso a opus.

Não sei o quem é o autor do texto.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Vademecum de Espagyria

O Livro das Sete Estatuas

Tratado de Ocultismo

LÂMINAS DE LAMBSPRING

Geometria Sagrada - Nigel Pennick

Geometria Sagrada - Nigel Pennick

KABBALAH PARA iNICIANTES, UMA CAMINHADA PELO TARÔ

domingo, 6 de maio de 2012

Forças Elementais ou Espíritos da Natureza

FORÇAS ELEMENTAIS OU ESPÍRITOS DA NATUREZA
pelo Ven.Irmão Lucas Francisco GALDEANO

Venerável Mestre da Loja “Universitária-Verdade e Evolução” nº.3492 do Rito Moderno (2005-2007)
ex-Venerável da Loja Miguel Archanjo Tolosa nº.2131 do R.E.A.A.(1991-1993)
ex-Grande Secretário Geral de Educação e Cultura do Grande Oriente do Brasil (1993-2001)
Presidente do Conselho Editorial do Jornal Egrégora - Órgão Oficial de Divulgação do Grande Oriente do Distrito Federal.

O binômio macrocosmos/microcosmos significa a relação que existe entre o Universo e o Homem, considerado como medida de todas as coisas. Este antropocentrismo, base da Astrologia, da Alquimia, e dos numerosos sistemas metafísicos, foi aceito durante milênios. Significava a cosmovisão na qual o ser humano era considerado a síntese perfeita e completa de tudo que existe no universo. A partir dessa concepção floresceram muitas doutrinas que consideravam o surgimento da vida e do Homem a finalidade verdadeira da criação e que atribuía à evolução um sentido maior.
O Panteísmo é, em certo sentido, uma concepção moderna dessa doutrina. Para o panteísta, Deus está presente em todos os seres e coisas, sendo, pois, Ele e a natureza uma coisa só. O mais conhecido sistema panteísta da Filosofia é o de Espinosa (1632-1677), embora a doutrina panteísta tenha florescido mais recentemente na obra de Emerson (1803-1882).

Embora rejeitada pelo racionalismo filosófico, a Ciência moderna nos surpreende, convergindo exatamente nessa direção. Segundo tal visão revolucionária, o mundo não é absurdo consoante afirmava Sartre (1905-1980) e, tampouco, o homem surgiu nele por acaso, mas o universo, desde o início dos tempos, parece ter conspirado para o aparecimento da vida e do Homem.

Para se dar conta de que a Terra, o Mar, o Ar e o Fogo estão cheios de coisas vivas basta olhar para eles. Mas são poucos os pensadores que se atreveram a fazer distinções objetivas entre o Homem e a natureza, entre o mundo visível e invisível. A Humanidade deve a Paracelso (1493-1541), notável médico e cientista, a mais completa e lúcida exposição sobre esse ramo da Filosofia que lida com as substâncias espirituais. Paracelso, cujo nome completo era Philippus Aureolus Paracelsus von Hohenheim, é considerado, com todo o direito e honra, como o promotor da grande revolução científica do Renascimento, pespegando, por isso, o epíteto de "Lutero da Medicina".

A idéia de que a Terra, o Mar e o Ar são habitados por seres invisíveis e inteligentes pode parecer ridícula à mente prosaica de nossos dias. Essa doutrina, entretanto, encontra a adesão de muitos cientistas e filósofos, dentre os quais, Paracelso foi o primeiro. Do mesmo modo que a natureza visível é habitada por um número infinito de criaturas viventes, assim também, segundo ele, a contraparte invisível da natureza é povoada por uma hoste infinita de seres.
Em seu livro "Philosophi Occulta" (em latim), Paracelso acrescenta que, enquanto o Homem é composto de várias naturezas (espírito, alma, mente, corpo) combinadas em uma unidade, o Elemental ou Espírito da Natureza não tem senão um princípio, que é o éter de que se compõe e no qual vive.

O leitor deve ter em mente de que quando se fala em éter o que se designa é a essência espiritual de um dos quatro elementos. Existem tantos éteres quantos elementos e tantas famílias distintas de espíritos da natureza quantos éteres existem. Essas famílias estão completamente isoladas dentro de seu próprio éter e não tem contato com os seres dos outros éteres. Mas como o Homem tem dentro de sua própria natureza centros de uma consciência sensitivos aos impulsos de todos os quatro elementos, é possível para qualquer dos elementos comunicar-se com ele sob condições apropriadas. Isso significa que cada espécie move-se apenas no elemento ao qual pertence e nenhum passa de seu meio-ambiente para outro. A Igreja reuniu todas essa entidades elementais sob o nome geral de demônios.

A palavra demônio nem sempre teve o sentido que os cristãos lhe atribuem. Foi a Igreja que satanizou esse termo, identificando-o com o espírito do mal. Os gregos chamavam daemon (demônio) a alguns elementais, especialmente os de ordem elevada. O mais famoso desses daemons foi o misterioso espírito que instruiu Sócrates e do qual o grande filósofo falava nos termos mais elevados.

Muitos dos grandes pensadores tiveram a assistência de uma entidade que pode ser considerada como elemental. Jakob Böhme (1575-1624) dizia-se inspirado por um "anjo", o mesmo ocorrendo com Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), fundadora da Sociedade Teosófica.
Paracelso afirma que os elementais não são meramente espíritos, porque dispõe de um corpo sutil e material que, na doutrina teosófica é denominada de astral, capaz de, em determinadas circunstâncias, manifestar-se no plano físico. Em certas situações, tais entidades podem agir sobre o ser humano, quando este lhes dá espaços em sua mente. O Conde de Gabalis procurou demonstrar, com exemplo, a união de um ser humano com um elemental. Entre os filhos de tais uniões, ele assinala Hércules, Aquiles, Enéias, Teseu, Platão, Alexandre Magno e Apolônio de Tiana.

A Filosofia de Paracelso recebeu a influência do naturalismo renascentista, tendo tido um papel decisivo na progressiva evolução da magia naturalista para a ciência experimental. Em seu tempo foi ele aquela poderosa tempestade que separava ou reunia tudo o que, até então, ninguém tivera a coragem de tocar. Vemos em Paracelso o precursor da Química, além da Psicologia empírica. Durante toda a sua vida lutou pelos seus grandes projetos de reforma das artes médicas. Em virtude de seus grandes conhecimentos herméticos foi considerado por muitas autoridades de seu tempo como membro ou mesmo como mentor da misteriosa Fraternidade Rosacruz.

A partir das teorias dos cientistas aqui citados, poderíamos considerar esses espíritos da natureza como uma espécie de humanidade, se não fosse o fato de nenhum deles nem os mais elevados possuírem uma individualidade permanente que se reencarne. É por isso mesmo, e pelo fato de terem um éter apenas, podemos afirmar que a evolução humana é diferente dos espíritos da natureza. Mas sejam quais forem as etapas dessa evolução, pouco ou nada sabemos a respeito dela.

Tratamos até aqui dos quatro elementos ou espíritos da natureza, comentando as obras de autores antigos e modernos, em especial as de Paracelso. Gostaríamos, agora, ao concluir, examinar sucintamente o problema dos quatro elementos tal como é visto pela Maçonaria.
A Ciência moderna abandonou, desde Lavoisier (1743-1794), a teoria dos Quatro Elementos, mas essa tomada de posição, embora plenamente válida sob o ponto de vista científico, não pode servir de argumento refutativo à teoria hermética, de vez que esta não é uma Física, mas uma Metafísica.

A "purificação" pelos "quatro elementos", próprio do Rito Escocês Antigo e Aceito é essencialmente de natureza hermética. Quem quiser compreender realmente a iniciação maçônica em qualquer grau, deve ter em mente que esses "Elementos" não são, de modo algum, os corpos da Física e da Química, traduzidos pelos termos de Terra, Água, Ar e Fogo, mas abstrações que devem ser consideradas princípios de vida.

Estes são, se formos ao fundo das coisas, as verdadeiras realidades do universo, a partir das quais as aparências sensíveis e tangíveis tomam forma. É a sua ação quádrupla e combinada sobre o Homem que transforma o aspirante em iniciado, preparando-o para a iluminação final.

Simbolismo da Pedra

SIMBOLISMO DA PEDRA
Correspondências maçónico-alquímicas
Carlos Dugos

RESUMO

Na tradição ocidental, o simbolismo da pedra constitui um tema maior, sobretudo nas vias múltiplas da Arte Real. Às várias pedras maçónicas, indicadoras de outros tantos graus iniciáticos, correspondem, mais ou menos directamente, os diversos estados da pedra alquímica, ao longo da Obra. Do ponto de vista religioso, o cristianismo apresenta valores semelhantes, fazendo da pedra um elemento simbólico central da doutrina salvífica.

Ao contrário do que frequentemente se crê, tais coincidências não têm origem em processos de adopção, em que símbolos preexistentes são enxertados arbitrariamente numa corrente particular; elas correspondem à coerência de um único repertório simbólico específico, próprio para servir de suporte a uma determinada doutrina e à acção em consequência.

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Na tradição ocidental, o simbolismo da pedra constitui um tema maior, sobretudo nas vias múltiplas da Arte Real. Às várias pedras maçónicas, indicadoras de outros tantos graus iniciáticos, correspondem, mais ou menos directamente, os diversos estados da pedra alquímica, ao longo da Obra. Do ponto de vista religioso, o cristianismo apresenta valores semelhantes, fazendo da pedra um elemento simbólico central da doutrina salvífica.

Ao contrário do que frequentemente se crê, tais coincidências não têm origem em processos de adopção, em que símbolos preexistentes são enxertados arbitrariamente numa corrente particular; elas correspondem à coerência de um único repertório simbólico específico, próprio para servir de suporte a uma determinada doutrina e à acção em consequência.


ESPECIFICIDADE DA ARTE REAL

A Arte Real, nas suas várias modalidades, constitui um código espiritual de conhecimento geminado com um código técnico de acção. O que se sabe reflecte-se directamente no que se faz e o que se vai fazendo reflecte-se directamente no que se vai sabendo.

Deste modo, à Iniciação Real estão ligados dois deveres iniciáticos: conhecer as causas espirituais da realidade não manifestada e agir materialmente, de modo canónico, sobre os efeitos da manifestação; mais sinteticamente: saber, em potência e operar, em acto. A divisa alquímica ora et labora é, neste aspecto, exemplar.

Nas várias disciplinas iniciáticas de manipulação ou transmutação da Natureza, cabem praticamente todos os arquétipos da actividade humana, desde as artes e ofícios ao exercício da guerra1; no entanto, devido ao âmbito em que incide a sua acção, Alquimia e Maçonaria2 encontram-se em grande proximidade.


PEDRA DE OBRA E PEDRA OCULTA

A pedra que o construtor toma para ser afeiçoada e integrada no edifício, corresponde ao lapis que constitui a matéria prima a manipular no matraz.

Porém, quer uma quer outra, independentemente da utilidade material de que possam vir a revestir-se, representam o aspecto mais exterior da Obra ou seja: apresentam-se apenas como resultado de uma acção exercida, pelo oficial, sobre a manifestação. Esse resultado, em tudo semelhante ao efeito do espelho, projecta na manifestação princípios não manifestados, estes de carácter eminentemente interior.

Assim, pode afirmar-se que, a pedra visível e palpável sobre a qual opera o manipulador, é a manifestação de uma pedra oculta, invisível e impalpável. Esta pedra - causa espiritual - determina e condiciona a pedra da Obra - efeito material. Entre elas, como elemento de ligação mediando dois mundos e duas ordens de realidade, o operador realiza a acção perfeita que é a de representar materialmente, na manifestação, o sentido e a ordem transcendente, numa acção dupla e simultânea, impregnando a matéria de espírito e dando corpo à espiritualidade, conforme a regra solve et coagula.

Dissolver o fixo e fixar o volátil eis o permanente labor do alquimista e do maçon. O primeiro reproduz no vaso o drama cósmico da Criação, de modo a rectificar a pedra material, marcada pelo estigma da Queda, de modo a fazer dela um reflexo perfeito da pedra oculta. O segundo toma a pedra inútil e rectifica-a de modo a que ela possa ser parte corporal do Templo, ganhando nessa metamorfose uma condição espiritual que a sua imperfeição nativa não permitiria. Espiritualizar a substância dando substância ao espírito, eis o ofício do manipulador perfeito, com mandato iniciático para o seu labor.

ESTADOS DA PEDRA NAS NOMENCLATURAS SIMBÓLICAS

A Tradição distingue dois géneros de pedra sagrada ou sacralizada: os aerolitos - porque oriundos do Céu, com todas as consequências simbólicas dessa origem - e as pedras de Obra ou seja, as que são objecto de manipulação iniciática. O aerolito, correspondendo a uma descida de um princípio celeste à manifestação terrestre, tem por complemento o bétilo, representando uma subida de um elemento terrestre à espiritualidade celeste.

No caso presente, interessa-nos exclusivamente a pedra manipulada canonicamente que, tendo no bétilo o seu arquétipo, constitui sempre um modo recíproco de espiritualizar a substância, materializando o espírito.

Tomando como dupla referência as tradições hermética e maçónica, estabeleçamos as analogias entre a pedra alquímica, enquanto matéria prima da Obra, e a pedra do construtor, enquanto módulo individual do Templo. Partindo deste princípio, consideremos, analogicamente as fases fundamentais da Obra do alquimista e do maçon.

A fase hermética do nigredo, em que a matéria escolhida é "carbonizada" destina-se a provocar a sua morte física - putrefacio - condição primeira para um eventual renascimento in gloria. Marcado pelo luto das trevas, este momento constitui uma "paixão" no sentido teológico do termo. Tal dissolução morfológica destrói a escória corporal, tomando a massa um aspecto cadavérico. Não obstante, sob tal aparência, algo palpita no seu interior, indicando que a morte é um mero efeito iniciático e não uma causa absoluta.

Bem assim, a Pedra Bruta maçónica é negra e sobre ela se faz o primeiro trabalho do recém iniciado que, vindo das trevas mortais em que todo o homem nasce, viu uma réstia da luz, ao terceiro "golpe". Esta pedra disforme, aparentemente inerte, guarda igualmente, em si, o germe modular de uma metamorfose. Aprendendo de pronto os ensinamentos da Iniciação, o novo Aprendiz transmite à Pedra Bruta , por três "golpes", a luz que do mesmo modo lhe foi dada. Com isto, torna dúctil a morfologia áspera do mineral, transmitindo-lhe um sopro do espírito, como prelúdio de uma fase mais avançada da Obra.

O albedo hermético tem o seu tempo quando a escória negra da pedra calcinada apresenta, em alguns pontos, o brilho do diamante negro. É o sinal de que o cadáver se anima de uma insuspeitada vitalidade. Trata-se, então, de libertar essa emanação de todo o carvão que a envolve, de forma a que, devidamente purificada e isolada, ganhe o esplendor brilhante da neve, um fulgor de alvura e de pureza dificilmente atribuível à natureza, no seu estado nativo. Ao corpo renascido juntou-se agora uma "alma".

Essa brancura é também emblemática da Pedra Cúbica, na qual o Companheiro maçon aplicou a sua Arte purificadora. A escória que enegrecia o minério e lhe dava uma forma caótica, foi desbastada até se obter a perfeição do cubo, entidade geométrica associada à volumetria das quatro, das seis e, potencialmente, às sete direcções do espaço, ou outras tantas qualidades arquétipas da realidade. Agora, a pedra é uma fonte de conhecimento e ensinamento.

Mantendo um regime de fogo e tempo, que a Alquimia tem por adequado, a pedra alva ganha novas coloração e alcança o rubedo. Não há - dizem os manipuladores afortunados - nenhum vermelho na Natureza que se assemelhe ao esplendor rubro dessa matéria sublime. Alegoricamente ela é a coroa real de toda a Obra; o ponto mais alto a que o artista dedicado esperaria chegar. A partir de então já nada se pode acrescentar ou subtrair à pedra excelsa. Espírito e matéria são uma só coisa.

Também a Pedra Cúbica de Ponta deve ser representada a vermelho. À perfeição do quadrado, foi adicionada a natureza divina do triângulo; ao cubo do espaço veio juntar-se a pirâmide de tempo. Depois de muito labor e meditação o Mestre maçon alcançou, também ele, a coroa da sua Arte, produzindo uma pedra em que se consubstanciam o Céu e a Terra, numa única e nova natureza.

OUTRAS PEDRAS COINCIDENTES

A Pedra Filosofal alquímica, constitui uma particularidade contida na natureza da Pedra Rubra, do mesmo modo que a Pedra de Chave maçónica representa uma especificidade incluída no contexto geral da Pedra Cúbica de Ponta. A primeira reporta-se a um sentido temporal de eternidade - a sua posse equivale, alegoricamente, a viver-se para sempre, livre de doenças e da morte. A segunda está associada à ideia do espaço infinito - sendo ela o remate central da abóbada do Templo, o que equivale a dizer-se a abóbada celeste, constitui o suporte do Universo3.

A Maçonaria conhece ainda a Pedra Angular ou de Fundamento, cornerstone cuja implantação, no início de uma obra de edificação, é praticada mediante um rito próprio que, na versão profana da construção civil, foi substituído pela cerimónia do lançamento da "primeira pedra". Tal rito está ligado à ideia de início; primeiro impulso, em tudo conforme com o simbolismo de Janu a divindade latina propiciadora de todos os começos, já que presidia à porta que mediava entre o fim de um ano e o começo de outro, numa clara alusão ao carácter solsticial desta entidade4.

Como se depreende, o simbolismo desta pedra remete para a matéria prima inicial da Obra, seja ela a Pedra Bruta ou a substância escolhida para a manipulação alquímica.

COINCIDÊNCIAS RELIGIOSAS

A corrente religiosa cristã, a cuja tradição estão associadas praticamente todas as modalidades ocidentais da Arte Real, incluindo a Alquimia e a Maçonaria, tem na pedra uma das suas principais figuras simbólicas. De resto, o simbolismo da pedra é universal, particularmente nos povos sedentários e, sobretudo, devido à unidade da Tradição Primordial, de onde provêm todas as tradições particulares.

De um modo geral, uma pedra é tomada como símbolo de um homem, em termos individuais, enquanto o conjunto ordenado de pedras - o Templo - simboliza o colectivo da Humanidade.

Pedro foi chamado a tornar-se a pedra de fundamento da futura Igreja já que, do ponto de vista pastoral, a pedra perfeita personificada pelo sucessor de Cristo, serviria de modelo às outras pedras formadas pelo colectivo dos crentes, sendo a Igreja o próprio conjunto assim formado.

Recorde-se, por outro lado, o anúncio evangélico de que o Templo derrubado seria reerguido em três dias, correspondentes à paixão, morte e ressurreição de Cristo e, bem assim, às três fases da Obra hermética e aos três tempos da mestria maçónica.

Estas consonâncias entre conteúdos religiosos e iniciáticos nada têm de estranho e não configuram de modo algum um contencioso hierárquico entre as duas instituições. A via da fé e a via da Iniciação correspondem a caminhos paralelos, oriundos de um princípio comum. Tal identidade é particularmente notável no cristianismo, devido à componente de acção evangelizadora que o caracteriza ou seja: do mesmo modo que a Arte Real - como modelo iniciático por excelência - manipula canonicamente o mundo manifestado com vista à sua rectificação, o cristianismo actua sobre a manifestação humana em ordem à sua espiritualização.

A corrente cristã apresenta, na sua origem, um claro sinal do que os elementos do princípio real e activo são nela predominantes sobre os elementos do princípio sacerdotal e contemplativo. Jesus nasce sob a égide do Leão da Casa Real de Judá, de tradição guerreira e não no seio das tribus de vocação sacerdotal, nomeadamente a de Levi.

Esta origem - sempre observada pelas ordens da Cavalaria Espiritual do Ocidente - cria uma consonância exemplar entre tradição religiosa e tradição iniciática. O moderno contencioso que opõe a Igreja a certas modalidades de Iniciação não passa de um mal entendido, proveniente do obscurecimento espiritual de certas organizações que, ancestralmente designadas por iniciáticas apresentam, doutrinariamente, todos os sinais da contra iniciação, devido ao seu alinhamento com as fórmulas do racionalismo e do ateísmo militante.

Estas breves notas limitaram-se a aflorar uma temática que, como se compreende é vastíssima. Neste sentido, o único objectivo a que aqui nos propusemos foi o de despertar o interesse do auditório para um estudo pessoal e aprofundado sobre o assunto.

Carcavelos, Julho de 2002

1. Embora diversa das modalidades ligadas aos ofícios, a Iniciação própria da Cavalaria Espiritual e que cumpre o oficialato da guerra, inclui-se no conjunto da Arte Real, onde representa uma forma activa por excelência.

2. Referimo-nos, como é evidente, à modalidade operativa da Maçonaria, já que, na sua modalidade especulativa, a Ordem não se dedica ao exercício de um mister específico, ligado à pedra e à construção, em geral.

3. Evidentemente, referimos eternidade ou infinito como meras forças de expressão já que, num e noutro caso, conviria mais, em rigor, falar de tempo ou espaço indefinidos.

4. Não sendo agora oportuno alongarmo-nos neste tema diga-se apenas que Janu era patrono dos fabrorum romanos, corporação clássica de construtores, integrada na linha ancestral da Maçonaria operativa. Por outro lado, sendo a Janu consagrado o mês de Janeiro, corresponde-lhe, na cristandade, com o mesmo carácter solsticial, S. João Evangelista, um dos patronos da Maçonaria moderna, de par com o - também solsticial - S. João Baptista.

Ferreiros e Alquimistas

Ferreiros e Alquimistas

domingo, 29 de abril de 2012

Alquimia

Alquimia

Muito falamos sobre a alquimia, mas de modo algum chegamos ao
cerne daquilo que ela realmente é. Podemos simplesmente falar
acerca dela, como que girando ao redor dela e analisando seus
vestígios. Sabemos que cada alquimista tinha seu laboratório. Assim,
vamos partir do espaço de seu trabalho para tentar compreender
como ou o que era a alquimia. A palavra laboratório vem da união de
duas palavras latinas "labor" , que significa trabalho, serviço, ação; e
a palavra "oratio", raiz do termo que hoje se difunde como oração.
Portando, o alquimista é propriamente um religioso, que em seu
fazer desenvolve, ao mesmo tempo, trabalho e oração, ou seja, para
ele não há distinção entre o fazer e o orar, ambos dizem o mesmo.
Deste modo, o trabalho do alquimista é a oração e a oração é seu
trabalho. Todo alquimista se apresenta como um sacerdote para si,
um mediador entre as coisas visíveis e as coisas invisíveis, passando
toda a sua vida em busca de concluir a "grande obra". Mas o que é
a "grande obra"? Seria a transmutação do chumbo em ouro? Ou
então o encontro da pedra filosofal? Quando falamos em alquimia
estamos falando das duas coisas. Se nos aprofundarmos mais neste
estudo vamos perceber que ambas falam do mesmo. A "grande obra"
se apresenta como um processo de transformação, como o caminho
da transmutação. A transmutação física de uma coisa em outra,
partindo de uma atitude interior, de uma transformação interna que
vai culminar com a metanóia (conversão) do próprio alquimista.
Alguns alquimistas apresentam as fazes de sua transmutação
pessoal, mostrando uma escalação de momentos interiores até
chegar a grandeza da transformação exterior. Toda a vida alquímica
é uma busca pela completa transformação do homem velho no
homem novo. O grande alquimista é aquele que consegue fazer-se, a
partir de si mesmo e de suas forças, um homem novo. Muitos no
decorrer de sua vida entendem que a "grande obra" consiste em
transformar o homem-chumbo que se é no homem-ouro que todos
almejam ser. Nesse processo, os tratados alquímicos falam de três
estágios. O primeiro é o Negredo, onde o homem se encontra denso,
sem purificação, momento em que ele trabalha o metal chumbo e o
homem-chumbo. O segundo estágio é o Albedo, momento em que o
alquimista começa a distinguir as coisas, está associado ao elemento
água, que representa sua a purificação e limpeza. Por fim, o terceiro
estágio, o Rubedo, neste estágio o alquimista se encontra com o
metal ouro e faz a síntese interna de toda sua obra. No Rubedo o
alquimista percebe-se transmutado no homem novo.Hoje a alquimia
passa a ser vista num aspecto mágico e taumaturgico, mas não era
esta única expectativa que os alquimistas tinham de seu trabalho. O
pai da alquimia, o Trimegisto, mostrava que o encontro da esmeralda
se dá na busca humana de auto-lapidação para a transformação no
melhor humano que se pode ser.

A Verdadeira Alquimia

A Verdadeira Alquimia

Certa vez um andarilho apareceu numa aldeia da Idade Média. Dirigiu-se à praça central da cidade, anunciou-se como alquimista e disse que ensinaria como transformar qualquer tipo de metal em ouro. Algumas pessoas pararam para ouvi-lo e começaram a proferir gracejos e ridicularizá-lo. O estranho não se abalou com as chacotas, pediu um pedaço de metal e alguém entregou-lhe uma ferradura, um outro ofereceu-lhe um prego. O alquimista então pegou ambas as peças, e ainda sob as risadas dos incrédulos, colocou-as numa pequena vasilha e derramou sobre elas o conteúdo de um frasco que havia retirado de sua sacola. Permaneceu alguns segundos em silêncio e o fenômeno aconteceu: a ferradura e o prego tornaram-se dourados.

Uma sensação de espanto percorreu a multidão que se avolumava cada vez mais na praça. O alquimista levantou as peças de ouro para que todos pudessem admirar a transmutação.

Um ourives presente no local pediu para examinar os objetos e foi atendido. Em pouco tempo, revelou serem as peças de ouro puríssimo como nunca tinha visto. As pessoas agitaram-se e agora queriam ouvir. O alquimista então pegou um grosso livro de sua sacola e disse estar nele o segredo da transmutação dos metais em ouro. Em seguida, entregou o livro a uma criança próxima e partiu tranqüilo. Ninguém o viu ir embora, pois todos os olhos mantiveram-se fixos no objeto nas mãos da criança. Poucos dias depois, a maioria das pessoas possuía uma cópia do valioso manuscrito, assim a receita para produzir ouro passou a ser conhecida por todos.

Contudo, a fórmula era complexa. Exigia água destilada mil vezes no silêncio da madrugada e ingredientes que deveriam ser colhidos em noites especiais e em praias distantes.

No início todos puseram as mãos à obra, mas com o passar do tempo, as pessoas foram desistindo do trabalho. Era muito penoso ficar mil noites em silêncio esperando a água destilar. Além disso, procurar os outros ingredientes era muito cansativo.

As pessoas foram desistindo. E, à medida que desistiam, tentavam convencer os outros a fazerem o mesmo. Diziam que a forma era apenas uma galhofa deixada pelo alquimista para mostrar como eram tolos. Assim, muitos e muitos outros, influenciados pelos primeiros, também desistiram. Mas, um pequeno grupo prosseguiu com o trabalho. Apesar de ridicularizados pelo resto da aldeia, continuaram destilando a água e fizeram várias viagens juntos à procura dos ingredientes da fórmula.

O tempo correu, e a quantidade de histórias divertidas, e de situações que eles passaram juntos, desde que começaram a seguir a fórmula, cresceu. E o grupo dos aprendizes de alquimia tornou-se cada vez mais unido. Converteram-se em grandes amigos. Até que em um mesmo dia, todos que tinham começado juntos, viraram a última página das instruções do livro, e lá estava escrito:

"Se todas as instruções foram seguidas, você tem agora o líquido que, derramado sobre qualquer metal, transforma-o em ouro. Entretanto, agora você já percebeu que a maior riqueza não está no produto final obtido, mas sim no caminho percorrido. O que nos torna infinitamente ricos não é a quantidade de ouro que conseguimos produzir, mas os momentos que compartilhamos com os verdadeiros amigos".

(Autor desconhecido)

Mutus Liber - O Livro Mudo Da Alquimia

Mutus Liber - O Livro Mudo Da Alquimia

Princípios de Alquimia

Alquimia

As Bodas Alquímicas de CHRISTIAN ROSENKREUTZ

AS BODAS ALQUÍMICAS DE CHRISTIAN ROSENKREUTZ - Johann Valentin Andreae

Liber Libræ

O texto a seguir não é especificamente sobre Alquimia, mas traz algumas considerações importantes para o Iniciado ou o Estudante.
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Liber Libræ
Sub figura XXX

A.·.A.·.
Publicação em Classe B

0. Aprende primeiro- Ó tu que aspiras a nossa antiga Ordem! - que o Equilíbrio é a base do Trabalho. Se tu mesmo não tens um alicerce, sobre o que irás tu estar para comandar as forças da Natureza?

1. Saiba, então, que como o homem nasce neste mundo em meio às Trevas da Matéria, e à luta de forças rivais; seu primeiro esforço deve, portanto, ser o de procurar a Luz através da reconciliação delas.

2. Tu então que tens provas e problemas, regozija-te por causa deles, pois neles está a Força, e por meio deles é aberta uma trilha àquela Luz.

3. Como poderia ser de outro modo, Ó homem, cuja vida é apenas um dia na Eternidade, uma gota no Oceano do tempo; como poderias tu, não fossem muitas as tuas provas, purgar tua alma da escória da terra? É apenas agora que a Vida Mais Elevada é assediada com perigos e dificuldades; não tem sido sempre assim com os Sábios e Hierofantes do passado? Eles foram perseguidos e ultrajados, eles foram atormentados por homens; ainda assim sua Glória crescera.

4. Regozija, portanto, Ó iniciado, pois quanto maior for tua prova, maior teu triunfo. Quando os homens te ultrajarem, e falarem contra ti falsamente, não tem dito o Mestre, "Sagrados sois vós"?

5. Ainda assim, Ó aspirante, deixa que tuas vitórias tragam a ti não a Vaidade, pois com o aumento do conhecimento acompanharia o aumento da Sabedoria. Ele que sabe pouco, pensa que sabe muito; mas o que sabe muito descobrira sua própria ignorância. Tu vês um homem sábio em sua própria presunção? Não há mais probabilidade de existir um tolo, do que ele.

6. Não sejas apressado em condenar outros; como conheces aquilo no lugar deles, tu poderias ter resistido a tentação? E mesmo se fosse assim, Porque deverias tu menosprezar aquele que é mais fraco do que tu mesmo?

7. Tu, portanto, que desejas Dons Mágicos, estejas seguro de que tua alma é firme e inabalável; pois é lisonjeando tuas fraquezas que os fracos ganharão poder sobre ti. Rebaixa-te ante teu Self; contudo, não temas nem homem nem espírito. O Temor é o fracasso, e o precursor do fracasso; e a coragem é o início da virtude.

8. Portanto, não temas os Espíritos, mas sê firme e cortês com eles; pois tu não tens direito a desprezá-los ou a injuriá-los; e isto também pode induzir-te ao erro. Domina e bane-os, amaldiçoa-os pelos Grandes Nomes se necessário for; mas nem zombes nem os insultes, pois assim, certamente, tu serás levado ao erro.

9. Um homem é aquilo que ele faz de si mesmo dentro dos limites fixados por seu destino herdado; ele é uma parte da humanidade; suas ações afetam não somente o que ele denomina de si mesmo, mas também a totalidade do universo.

10. Venera, e não negues o corpo físico que é tua conexão temporária com o mundo externo e material. Portanto, que teu Equilíbrio mental esteja acima dos distúrbios dos fatos materiais; vigora e controla as paixões animais, disciplina as emoções e a razão, alimenta as Aspirações Mais Elevadas.

11. Faze o bem aos outros para teu próprio bem, não por recompensa, não pela gratidão deles, não por compaixão. Se tu és generoso, tu não ansiarás que teus ouvidos sejam deliciados com expressões de gratidão.

12. Lembra que a força desequilibrada é perniciosa; que a severidade desequilibrada é apenas crueldade e opressão; mas que também a misericórdia desequilibrada é apenas fraqueza que consentiria e incitaria o Mal. Obra com paixão; pensa com razão; sê Tu mesmo.

13. O Verdadeiro ritual é tanto ação quanto palavra; é Vontade.

14. Lembra que esta terra é apenas um átomo no universo, e que tu mesmo és apenas um átomo disto, e que mesmo tu poderias tornar te o Deus desta terra na qual tu rastejas e te arrastas, que tu serias, mesmo então, apenas um átomo, e um dentre muitos.

15. Contudo, tem o maior auto-respeito, e para este fim não peques contra ti mesmo. O pecado que é imperdoável é rejeitar consciente e intencionalmente a Verdade, recear o conhecimento mesmo que aquele conhecimento não alcovites teus preconceitos.

16. Para obter o Poder Mágico, aprende a controlar o pensamento; admita somente aquelas idéias que estão em harmonia com o fim desejado; e não toda idéia difusa e contraditória que se apresente.

17. O Pensamento fixo é um meio para um fim. Portanto, presta atenção no poder do pensamento silencioso e da meditação. O ato material é apenas a expressão externa de teu pensamento, e, portanto, tem sido dito que "Pensar tolice é pecado". O Pensamento é o começo da ação, e se um pensamento ao acaso pode produzir muito efeito, o que não poderia fazer um pensamento fixo?

18. Portanto, como já tem sido dito, Estabelece-te firmemente no equilíbrio das forças, no centro da Cruz dos Elementos, a Cruz de cujo centro o Mundo Criativo brotou no nascimento da aurora do Universo.

19. Sê tu, portanto, pronto e ativo como os Silfos, mas evita frivolidade e capricho; sê enérgico e forte como as Salamandras, mas evita irritabilidade e ferocidade; sê flexivo e atento às imagens como as Ondinas, mas evita ociosidade e inconstância; sê laborioso e paciente como os Gnomos, mas evita grosseria e avarice.

20. Então, irás tu gradualmente desenvolver os poderes de tua alma, e encontrar te a comandar os Espíritos dos elementos. Por que esteves a convocar os Gnomos para alcovitar tua avarice, tu não irias mais comandá-los, mas eles te comandariam. Abusarias dos puros seres dos bosques e das montanhas para encher teus cofres e satisfazer tua fome de Deus? Rebaixarias os Espíritos do Fogo Vivo para servir a tua ira e ódio? Violarias a pureza das Almas das Águas para alcovitar teu desejo de devassidão? Forçarias os Espíritos da Brisa Noturna para servir a tua loucura e capricho? Saiba que com tais desejos tu podes apenas atrair o Fraco, não o Forte, e naquele caso o Fraco terá poder sobre ti.

21. Na religião verdadeira não há seita, portanto, preste atenção a que tu não blasfemes o nome pelo qual outro conhece seu Deus; pois se tu fazes isto em Júpiter tu irás blasfemar YHVH e em Osíris YChShVCh. Pergunta e tu irás obter resposta! Procura, e tu irás encontrar! Bate, e será aberta a ti!

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Iniciação

Como todo método que conduz à plena realização do Ser, a alquimia se baseia numa iniciação. Não há diferença alguma entre o nascimento eterno, a reintegração e a descoberta da pedra filosofal.
Os mistérios iniciáticos se estabeleceram com o fim de nascer a uma nova vida...

Aquelas almas que estando na busca de seu Deus interior não se conformavam com os ensinos dogmáticos e impositoras estabelecidas vislumbraram a possibilidade de entrar no caminho da iniciação, onde se interrogavam sobre questões metafísicas, próprias de inquietos pesquisadores, sem medo a um castigo, nem a uma condenação nos infernos, impulsionados com a sede de busca que transcende o ceticismo e o materialismo. A iniciação sempre esteve aberta dentro do marco esotérico.

Todos os livros sagrados falam para iniciados, bem como as grandes catedrais, que foram construídas por e para iniciados, eles podiam ver onde aparentemente não tinha nada...

Toda Obra sagrada tem várias interpretações, uma do iniciado, que conhece os mistérios, e outra a do ignorante que observa o dedo, mas nunca mira para onde assinala.

Dissemos que a iniciação é o nascimento ou começo a uma nova vida, nasce-se a uma nova espiritualidade, mas antes que exista um nascimento tem que existir uma morte, neste caso do ignorante, melhor dizendo da ignorância, para dar luz então ao Neófito.

Jesus Saiz Garcia.

domingo, 22 de abril de 2012

HERMETISMO E MAÇONARIA

HERMETISMO E MAÇONARIA
Doutrina, História, Atualidade
Federico González

http://simbolismoyalquimia.com/hermetismo/os-livros-hermeticos.htm

I. OS LIVROS HERMÉTICOS (1)

Para o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, quer dizer, as tradições "do livro", o Antigo, o Novo Testamento e o Corão são a base de sua revelação e o centro ante o qual giram todos seus pensamentos e atividades; de fato, estes textos sagrados são também livros religiosos onde se encontram dogmas e leis morais. Mas este não é o caso de todos os livros sagrados, pois há outros onde os textos, que são tão reveladores como quaisquer, não são tomados com uma unção quase supersticiosa, ou legalista, ou literal, mas sim como um testemunho da luz da sabedoria que se expande em qualquer parte, sem imposições ou limitações de nenhum tipo, e à qual o ser humano deve acessar por sua própria conveniência ao encarnar o papel que corresponde ao Homem Verdadeiro1, ao Anthropos hermético. Tal é o caso do Corpus Hermeticum, conjunto de livros sagrados emanados de uma corrente de pensamento tradicional que se coloca sob a avocação do Deus Hermes, ou Hermes Trismegisto, deidade greco-egípcia, considerada como o deus da Palavra (Verbo, Logos), do Ensino e grande iniciador nos Mistérios da Cosmogonia, psicopompo, cujo patrocínio se estende desde os primeiros séculos de nossa era pelo mundo mediterrâneo, tendo seu núcleo de irradiação em Alexandria, até nossos dias, em tudo o que se pode considerar o Ocidente ou sua área de influência cultural. Assinalaremos que esta corrente de antiga linhagem, pois Hermes é o Deus egípcio Thot e os Hermetica os livros sagrados de Thot, inclui importantes autores da Antigüidade grega, romana e bizantina, assim como foi determinante em personalidades muito destacadas do Islã. Por outra parte, este pensamento percorreu a Idade Média européia e o próprio Corpus Hermeticum foi conhecido entre outros por Bernardo de Tours e Teodorico de Chartres, século XII, este último dado importante, tendo em conta o que a escola desse lugar representou no século posterior e em geral na Idade Média; entretanto é no Renascimento onde este pensamento e os livros da Hermetica adquiriram seu maior significado ao ser o Corpus traduzido por Marsílio Ficino e completado depois por F. Patrizzi, e estes escritos editados pela Academia platônica de Florença que veio substituir histórica e geograficamente o farol luminoso de Alexandria, cujo feixe se perpetuou pontualmente até hoje. Isto por outra parte não se deve estranhar, já que a Tradição Hermética tem inegáveis relações e estreito parentesco com as religiões mistéricas egípcias, gregas e romanas, com Platão e o neoplatonismo, as gnoses não dualistas, e o cristianismo –com os quais compartilha análogos conceitos cosmogônicos e teogônicos, sem excluir as fontes hebraicas e "orientais", em especial a caldéia.

Deve se observar que, ao nos referirmos aos textos sacros, iniciáticos e sapienciais que são tomados de modo "religioso", de forma devota ou de maneira fanática, dogmática, legalista ou literal, não discutimos os textos em si, a maior parte dos quais admiramos e reverenciamos, senão o nível de leitura que se faz deles. Por outra parte esses livros reveladores são transmitidos pelas religiões oficiais dentro de seu aparato, e a difusão desses livros esotéricos justificaria, acaso, a existência de instituições religiosas cujo único fim é levar a autêntica mensagem, de Conhecimento salvífico, ao homem –e portanto sua única função é ligar este com o Espírito, que nele reside–, e entretanto se ocupam de questões materiais (quando se sabe que a matéria não é transcendente) ou sociais, para citar um par de exemplos de inversão

Além disso deve se considerar que, para o leitor atual, queira-o ou não, vítima de uma programação herdada e imposta pela cultura profana, qualquer texto que não siga uma seqüência racional –inclusive explicativa– em suas partes, ou que não inclua geralmente uma tese e uma demonstração, é algo que não tem valor. De fato assim ficariam desqualificados –como o estão para os modernos– todos os textos sagrados universais por desconexos ou absurdos. Essa atitude os leva igualmente a encontrar contradições na letra, o que vez por outra ocorre, embora muitas delas sejam aparentes; o mesmo quando se acusa de vago ou confuso algum livro, pois nem sempre o é com outros parâmetros mais abertos de juízo. Na realidade o que se busca é algo fixo e oficial e daí a repulsa, quando não a fobia, aos textos chamados apócrifos, e ainda aos simples manuscritos –que passaram por numerosos copistas em diferentes épocas e línguas–, e também a desconfiança que pode produzir uma literatura não datada com exatidão; igualmente se deve assinalar o preconceito ou o temor a respeito de tudo aquilo que é anônimo.2

Mas o curioso é que esta atitude inconsciente se encontra presente na obra dos críticos, e ainda na dos comentaristas desses textos que, de fato, são as pessoas que mais trabalharam com eles, e se dá o paradoxo de que, por outra parte, muitos estudiosos de livros sapienciais, de Conhecimento, e obras sagradas transmitidas e repetidas pela Tradição são lidos com condicionamentos culturais, religiosos, científicos (universitários) e particulares, ao ponto de que estes comentaristas não captam em última instância o pensamento que estudam e comentam. O melhor exemplo disto se constitui na obra de Platão: por um lado seus "estudiosos" se queixam de sua obscuridade "teórica", agravada por sua expressão em forma de diálogos que incluem diferentes pontos de vista sobre a cosmogonia e opiniões divergentes sobre algum tema –exemplo que imitam de forma bitolada–, por outro não encontram em sua obra –e pensamento– algo fixo que possam classificar, ou proposições lógicas, mas sim em alguns fragmentos que nem sempre encaixam com os outros, ou a seu parecer se contrapõem. Por isso todo o aparato crítico e filológico que elaboram, que de um ponto de vista é muito valioso (estabelecimento de textos, traduções, notas eruditas), necessário, útil e esclarecedor num aspecto horizontal, é desde outro completamente nulo, já que não constitui, na maioria dos casos, uma hermenêutica, e nem sequer uma exegese da obra, assunto que não figura em suas intenções embora seja o mais importante; ainda mais quando não são capazes de compreender que a linguagem em que estão escritos é precisamente o da metafísica, sempre evasivo.

O Corpus Hermeticum, e os textos de tipo filosófico nele incluídos (sem desprezar o corpus astrológico-mágico que corre paralelo) sofreram uma estranha sorte no curso da história. Mencionados calorosamente nos primeiros séculos do cristianismo por autores esotéricos e filósofos, passam à Idade Média onde conservam seu prestígio entre teólogos e sábios (tal como a vertente astrológico-mágica: Picatrix, Turba Philosophorum) e chegam ao Renascimento –via G. Pletón, e o grego ortodoxo Bessarion, ambos ligados aos ensinos do bizantino Miguel Pselos–, onde a Academia de Florença, dirigida por Marsílio Ficino, consagrá-los-á publicando-os em tradução do próprio Ficino, por encargo de Cosme de Médicis, ao mesmo tempo em que as obras de Platão. Posteriormente, F. Patrizzi (que faz de Hermes um contemporâneo de Moisés, e o mesmo pensa de suas obras), "publicou seu 'Nova filosofia universal', acompanhando a de uma versão do Corpus Hermeticum segundo o texto grego de Turnèbe e Foix de Candale, do qual levou a cabo uma nova tradução ao latim, assim como do Asclepius e de alguns dos Hermetica conservados por Estobeu, com a correspondente versão latina de tais textos. Deste modo, Patrizzi recolheu em dito volume a mais extensa coleção da Hermetica que jamais se reuniu até então e tomou como base para a construção de sua nova filosofia" (F. Yates, Giordano Bruno y la Tradición Hermética. Ariel, Barcelona 1983). Sabe-se que foi tanto o encontrado nestes textos pelos criadores do Renascimento (filosófico, escultórico, pictórico, artesanal, científico, etc., etc.), quer dizer, os sábios autores de seu movimento revolucionário antes que a facção de pensamento "humanista" triunfasse sobre a corrente hermética (assunto que não podemos espraiar aqui mas que está vinculado de todas as maneiras com a doutrina dos ciclos), que inclusive chegaram a pensar que estes textos eram, por ser os mais sapienciais, os mais antigos (prisca theologia) e deles derivavam os do Moisés, Orfeu, Pitágoras, Platão, etc., e seu conteúdo revelava os ensinos de Hermes-Noûs, quer dizer, da Mente Divina.3

De fato, como se vê, estes textos inspiradores do Renascimento, junto com Pitágoras, Platão, os neoplatônicos, a cabala hebraica, as ciências da natureza, a magia natural e a Antigüidade egípcia, grega e romana, moldou a cultura desse período, e de algum jeito a nossa, a contemporânea, pois através do Renascimento estes livros e seu conteúdo seguiram vivos até nossos dias, manifestados por uma corrente hermetista que inclui à alquimia, sempre espiritual, em seu conjunto, e todas as ciências que invoquem a paternidade ou o amparo de Hermes ou estejam vinculadas a essa transmissão tão singular de energias e simpatias, cujo pensamento os Hermetica em seu conjunto expressam com claridade, já que o próprio Hermes é tomado como o mantenedor da sabedoria oculta e seu transmissor, e seu nome deve ser considerado mais como o de uma influência espiritual, que o de uma pessoa.

Por isso o Renascimento venerou estes textos e praticou sua filosofia; pois a Beleza, a Inteligência e a Sabedoria neles contida é uma mensagem repetida de uma ou outra maneira por todas as gnoses, já que deriva de uma Tradição Unânime, polar, quer dizer, vertical, à qual o homem pode ter acesso conforme o indicam estes mesmos textos. A adequação da sociedade renascentista aos Hermetica marcou o esplendor histórico deles, junto com os ensinos pitagóricos, platônicos, neoplatônicos, cabalísticos e cristãos4 com os quais coincidem em muito numerosos pontos, sem que nenhum deles seja necessariamente "sincrético" tal qual como se entende hoje esse vocábulo

Daí que nos pareça muito injusto o tratamento que certos eruditos modernos, ou racionalistas de tipo "grego clássico", ou com preconceitos cristãos, ou "gramáticos", todos influenciados pela visão literal do mundo moderno, dispensaram a estes escritos, aos quais subestimam por serem fragmentos diz que desconexos, ou obscuros, ou contraditórios, sem pensar que todos os livros sagrados têm as mesmas características e sem ver os constantes resplendores de luz, doutrina e poesia que brotam de seus textos. Acreditam que talvez a datação exagerada e acaso a supervalorização destes livros no Renascimento, assim que não só eram comparados vantajosamente com a Bíblia –à qual eram anteriores– mas também quase com qualquer outro escrito, tenham determinado em grande parte sua desvalorização posterior, já que uma vez que Isaac Casaubon em 1614 descobriu o engano de datação mediante um estudo filológico e estilístico de suas partes e o situou nos primeiros séculos do cristianismo, o Corpus Hermeticum começou a ser relegado e menos considerado, quase culpado de uma fraude e de uma brincadeira histórica que deviam pagar os próprios escritos, e cuja condenação devia ser o esquecimento, quando não o desdém.5

Assim é como o padre A. J. Festugière, tradutor do Corpus Hermeticum e autor da obra em quatro tomos La Révélation d'Hermès Trismégiste 6 e uma autoridade na matéria cujo mérito é indisputável, fala de uma contradição no pensamento fixado nos Hermetica, que, inclusive, está presente na obra de Platão. Por um lado assinala que uma doutrina inserida neles admite que o mundo está penetrado pela divindade e portanto é belo e bom e a contemplação desse mundo, obra divina, é uma aproximação a seu Criador. Pelo outro observa que nos textos também o mundo criado aparece como mau, não sendo a Obra do Primeiro Deus, mas sim do Demiurgo, seu filho, a segunda pessoa da Divindade, um Deus tão terrível como é terrível a Criação sujeita a destruição, enfermidade, velhice e morte. De fato, só no ânimo do P. Festugière existe esta contradição que só é justificável no âmbito de uma mente racionalista. Por que nesta dupla percepção, que chama "doutrina", seria incompatível e excludente um dos termos com respeito ao outro? Nas "doutrinas" de todos os povos se fala de uma dupla natureza no homem, que por isso é o intermediário entre céu e terra. Como qualquer cristão sabe, trata-se da distinção entre a parte mais sutil, associada ao espírito, e a mais grosseira, vinculada com a matéria. Isto que é reconhecido no microcosmo é válido para o macrocosmo. E a maravilhosa criação, a Obra de um Ser Infinito, não é incompatível com um cárcere em que o Espírito e a deidade se acham presos; tampouco uma forma de ver diferente e simultânea do mundo tem por que associar-se necessariamente com algo tão mutável como uma visão "otimista" ou "pessimista". É mais, se não fora por esta prisão cósmica, a Revelação Hermética e o caminho que propõe (assim como sua cosmogonia) não teriam razão de existir, e inclusive seria nulo o Mundo Intermediário; mais quando se pensa em Hermes como um psicopompo, ou o que é o mesmo, em Poimandres como um Pastor capaz de nos liberar, ao ponto de tornar o cárcere em nossa casa, e ordenar nossa saída do cosmo. Por outra parte, a queda do homem contemporâneo sumido nas trevas, que prefere à luz, está descrita nestes livros na Koré Kosmou e o Apocalipse de Asclépio que anunciam para o Egito Mítico, Centro do Mundo, uma total inversão dos valores.7

Mas o mais importante é que esta dualidade do que voa e do que repta, ou das trevas e a luz, está inscrita no coração mesmo da deidade, que constantemente conjuga os opostos produzindo a harmonia cósmica, pois "tudo deve resultar da oposição e da contrariedade: e é impossível que seja de outro modo" (X,10). Entretanto o Deus-Noûs não tem nome, é mais, é incognoscível e não se pode aplicar-Lhe nenhuma determinação, aparecendo só de maneira racional em termos negativos, o que faz ao Conhecimento Divino um paradoxo imensamente majestoso.

O homem é pois mediador, não só em sua função central mas também como um pequeno demiurgo numa criação que sempre existiu e que se encontra permanentemente inacabada, viva, em constante metamorfose e que ele pode transformar, já que aparece como o ponto ou a unidade onde convergem todas as energias criacionais, coroando e dando sentido ao plano divino ao restabelecer os contatos que revelam as analogias, pois o mundo sensível se reflete no inteligível como o inteligível no sensível. Tudo isso graças a uma rede onde o Amor é o protagonista e o matrimônio (Hieros Gamos) entre o Céu e a Terra uma cópula perpétua. O que é equivalente em outro simbolismo a uma cadeia de iniciados (O fio de Ouro) que se transmite do Noûs ao Poimandres, deste a Hermes, d Hermes a Tat e deste a todos os Adeptos e teurgos da tradição Hermética. Daí que o Corpus Hermeticum constitua uma revelação e que a só compreensão de seus enunciados conforme uma Gnose, dado que somos a matéria do que conhecemos e o Verbo Primitivo se manifesta no humano possibilitando o surgimento do homem pneumático, paradigma do iniciado, que sabe ler os sinais da natureza e os símbolos mutáveis de sua aventura cósmica, adequando-se às circunstâncias de sua viagem, que se assemelha ao Conhecimento, e que o texto do Corpus Hermeticum transmite.

O Conhecimento, ou seja, a Realização Espiritual, está tão longe da religião como da magia, segundo estes termos são entendidos normalmente pelo mundo moderno; e mais: estas soem constituir-se em inimigos implacáveis num processo iniciático. Conta disso dão-nos o judaísmo sionista, o cristianismo integrista e o islamismo fundamentalista. Nada a dizer da literalidade da magia chamada cerimoniosa (sempre sujeita à dualidade causa-efeito) com respeito às tradições arcaicas que utilizavam as fórmulas, encantamentos e talismãs num contexto de crenças e símbolos cosmogônicos grupais, nunca isolados de sua razão de ser última, e igualmente com respeito à "magia natural" renascentista e que são autenticamente as correspondências e analogias como veículos de acesso à cosmogonia, à ontologia e à metafísica, quer dizer, a Via Simbólica em sua verticalidade ascendente, que se manifesta no microcosmo como diversos estados do Ser Universal. Deve se dizer que as palavras religião e magia, tomadas em seu sentido mais amplo e esotérico, podem ser válidas, como é o caso em certos autores de língua inglesa, onde o costume as utiliza sem muita precisão; inclusive nesse idioma os termos misticismo e ocultismo têm um significado geral que o uso de algum jeito legitima. Entretanto em matéria de doutrina, quer dizer, da própria compreensão intelectual de tais conceitos, é necessário os redefinir já que podem significar idéias diametralmente opostas ao que verdadeiramente expressam e negar a intuição da Suprema Identidade, e obstaculizar o trabalho dos aprendizes da Ciência Sagrada.

No Renascimento e na Tradição Hermética em geral (assim como nas arcaicas) sublinha-se a figura do teurgo como ideal do Homem de Conhecimento (ainda que não seja um "erudito" e, inclusive, não saiba ler ou escrever), a do Adepto, a do Filósofo ou Artista, a do Mestre Construtor mas nunca a do monge, frade ou religioso, embora alguns deles o tenham sido. Como se vê, a Teurgia, às vezes involuntária, ou melhor, sem fins concretos ou específicos, está incluída no processo alquímico; na maioria dos casos este não passa pela religião, onde paradoxalmente se encontram também os símbolos do Conhecimento e onde se refugiam os que, por um ou outro motivo não podem alcançá-lo por si mesmos, ou seja, aqueles aos quais a graça que lhes coube não lhes permite transcender este nível, muitos dos quais, em lugar de aceitar suas limitações com serenidade, pretendem fazer das "grandes religiões" o meio ou caminho oficial do metafísico, o que é um engano que valoriza o menos e o confunde com o que é mais.

Neste sentido, deve-se observar que os livros da Hermetica são emanados num meio e num tempo onde a Teurgia e a Filosofia de mãos dadas, a tal ponto que a figura do sábio e do mago, ou melhor, do teurgo, identificavam-se, e onde os textos pertencentes ao Corpus Hermeticum aparecem simultaneamente com outros manuscritos e autores, como é o caso de um grande conjunto de coleções com fórmulas e receitas mágicas, medicina, astronomia-astrologia, e alquimia, que ainda hoje se conservam, e que se acham colocadas sob a avocação de Hermes, ou Mercúrio, ou Hermes-Trismegisto, consistentes sobretudo em correspondências e analogias entre os astros, o ser humano, o reino mineral, vegetal e animal e outras práticas rituais individuais relacionadas com a cosmogonia, o plano intermediário e as ciências da natureza. Festugière estabelece aqui também uma dupla divisão entre magia popular e a filosofia do Corpus Hermeticum; a título provisório parece aceitável essa divisão enquanto tudo que é relacionado com a magia e com as práticas rituais é muito apreciado e sentido por uma grande quantidade de pessoas, cuja compreensão dos símbolos, mitos e ritos é muito relativa, embora participem também destes ensinos; mas acreditam que essa divisão pode tomar-se em conta caso se faça sob a condição de que, na Tradição Hermética, a corrente "popular" e a "filosófica" se encontrem indissoluvelmente unidas, como os livros "populares" o estão com o Corpus Hermeticum conforme pode apreciar-se –para citar só um exemplo– quanto ao tema da unidade da matéria. Nomearemos aqui uma série de livros e textos que pertencem a estes Hermetica, chamados astrológicos ou mágicos e que não foram ainda objeto da atenção necessária pelos estudiosos, o que seria de grande interesse. Um Livro das Tinturas Naturais atribuído a Hermes, conhecido através das entrevistas e comentários que faz Zósimo em sua Conta Finale que dá a impressão de ser mais um tratado sobre o simbolismo da cor e seus significados múltiplos que um tratado prático sobre tingimento, dada a óbvia impossibilidade de conseguir certas tintas em determinados materiais; O Transe de Salomão que começa com uma contagem de nomes sagrados que Hermes Trismegisto tinha gravado em hieróglifos e que se ocupa também da fabricação de talismãs conforme dados astrológicos, sejam estes estatuetas ocas de Hermes ou algumas outras, que deviam possuir em seu interior um encantamento escrito sobre um papiro, como foi o caso do descobrimento do texto da Tábua de Esmeralda. Especial atenção deve se prestar ao Liber Hermetis Trismegisti, considerado principalmente um tratado astrológico (como o Monomoirai, referente aos deuses de cada um dos 360 graus do Zodíaco, e que não se conserva, mas cujo tema constitui entretanto o cap. 25 do Liber), tradução latina de um florilégio grego do Séc. V que contém ensinos mais antigos de caráter egípcio, que se pensa terem sido retocados no Séc. II-III d. C., procedentes de um grande corpus integral astrológico hermético articulado na época ptolomaica, entre as quais a que se refere aos decanatos (presente nos textos que se guardavam nos templos desde 3.000 anos a.C., e tratada também no Extrato VI de Estobeu); por outra parte, este manuscrito passou diretamente através dos gregos ao ocidente medieval sem a participação dos árabes, como foi pelo contrário o caso do Picatrix e da Turba Philosophorum; outro tratado astrológico, como seu nome o indica, é: Sobre a dominação e a potência dos doze lugares. Vários volumes sempre baseados na idéia do movimento dos astros em relação com os elementos cósmicos e as simpatias secretas que os unem, tratam sobre medicina e receitas com elementos minerais, vegetais e animais que devem ser invocadas e combinadas de acordo a tempo e lugar com respeito à relação própria de cada astro com o operador, em virtude da íntima relação entre o macro e o microcosmo. Tal o caso do Livro sagrado de Hermes a Asclépio e outros textos. Adicionaremos o De XV herbis lapidibus et figuris, atribuído a Enoque; igualmente o De XV Stellis, escrito por Hermes (recebido por via islâmica) chamado deste modo em alguma ocasião Quadripertitum Hermetis (pelo quaternário dos temas: estrelas, pedras, plantas e talismãs, e um prólogo sobre as virtudes do número 4), também atribuído a Enoque em uma de suas formas resumidas. A estes títulos devem somar-se Iatromathematika de Hermes a Ammón o egípcio e as Kyranides, de Hermes, ao que lhe outorga bastante importância, e que principalmente trata sobre a atração e a repulsão, ou seja, as simpatias e antipatias que animam o cosmo; menção à parte merece o manuscrito egípcio de Leyden, escrito em demótico e grego, encontrado em Tebas no ano de 1828, dividido em duas partes que se conservam uma na cidade do mesmo nome e outra no Museu Britânico, cujo conteúdo, de fórmulas oraculares e mágicas, medicinais e botânicas, constitui um claro exemplo desta literatura hermética, na qual não faltam nem a astrologia, nem os lapidários e bestiários; igualmente Os sete capítulos ou livros de Hermes serão referência de numerosos hermetistas e textos de alquimia medievais e renascentistas e tem sido editado até hoje.8 De outros livros similares há também referencias em outros textos, embora ainda não tenham sido encontrados os originais em questão. Há autores que soem adicionar aos Hermetica as obras de Bolos de Mendes, os escritos de Zósimo, de Sinesius, de Olimpiodoro e de Stephanus da Alexandria produzidos do II ao VII séculos de nossa era; igualmente o corpus dos alquimistas gregos e os numerosos fragmentos alquímicos de Hermes que o conformam.9 Também devem ser mencionados os textos chamados Definições, ou De Hermes Trismegisto a Asclépio, textos armênios publicados pela primeira vez, junto a uma tradução ao russo em 1956, e que P. Mahe, que os estudou, situa no primeiro século anterior à era cristã, que embora tenham o mesmo título que o livro XVI do Poimandres, trata-se de textos distintos.


Os Livros Herméticos II
NOTAS
1 Seria muito saudável que assim pudessem ser lidos certos livros bíblicos como os de Moisés, das profecias, dos salmos, dos de sabedoria, dos evangelhos (especialmente o de S. João), São Paulo, etc., tal como são e como foram escritos, sem nenhuma conotação dogmática a respeito.
2 Costumou-se criticar o Corpus Hermeticum, não só o Poimandres, que seu texto é às vezes confuso, quando não contraditório ou devido à mão de vários autores. A respeito, queremos citar a introdução ao Evangelho de São João, publicado na Bíblia de Jerusalém (Desclée de Brouwer, Bilbao 1984): "É bastante difícil descobrir o plano preciso segundo o qual quis São João expor este mistério de Cristo. Notemos acima de tudo que a ordem em que se apresenta o evangelho oferece certo número de dificuldades: sucessão difícil dos caps. 4, 5, 6, 7 1-24; anomalia nos caps. 15-17 que vêm depois da despedida 14 31; situação fora do contexto de fragmentos como 3 31-36 e 12 44-50. É possível que estas anomalias provenham do modo como se compôs e editou o evangelho: na realidade, seria o resultado de uma lenta elaboração, com elementos de épocas diversas, retoque, adições, diversas redações de um mesmo ensino, havendo-se publicado definitivamente não pelo mesmo João senão, depois de sua morte, por seus discípulos, 21 24; estes teriam inserido na trama primitiva do evangelho fragmentos joânicos que não queriam que se perdessem e cujo lugar não estava rigorosamente determinado."
3 Para este e outros temas ligados a Hermes e aos livros herméticos ver os muito valiosos estudos de Antoine Faivre, especialmente: The Eternal Hermes, from Greek God to Alchemical Magus, Phanes Press 1995, Grand Rapids (MI) USA; do mesmo modo, de A. Faivre e colaboradores (M. Sladek, P. Lory, M. Allen, C. Vasoli, I. Pantin, J. Telle), Présence d'Hermès Trismégiste, Ed. Albin Michel, "Cahiers de l'Hermétisme", Paris 1988.
4 O cristianismo em geral e o catolicismo em particular, jamais atacou ou censurou o conteúdo do Corpus Hermeticum; pelo contrário, foi conhecido e utilizado em algumas ocasiões por seus próprios teólogos e muitos de seus sacerdotes.
5 Em grande parte a importância dos livros Herméticos vem por Thot ser o escriba divino e o Deus da escritura; alguns autores do final de século e princípio deste como Frederic du Portal e E. A. Wallis Budge estudaram a relação entre os hieróglifos egípcios e distintas formas de expressão gráfica. Ver para este tema das linguagens simbólicas herméticas: The Alphabetic Labyrinth: The letters in History and imagination, Johanna Drucker, Thames and Hudson, N. York 1995; logicamente também Principes Généraux de l'Écriture Sacrée Égyptienne, J. F. Champollion. Institut d'Orient, Paris 1984.
6 Ed. Les Belles Lettres. París 1989.
7 "… posto que convém aos sábios conhecer por antecipação todas as coisas futuras, há uma que é necessário que saibam. Virá um tempo em que parecerá que os egípcios honraram em vão seus deuses, com a veneração de seu coração, mediante um rito assíduo: toda sua sagrada adoração fracassará, ineficaz, será privada de seu fruto. Os deuses, deixando a terra, retornarão ao céu; abandonarão o Egito; esta comarca, que foi antigamente o domicílio das sagradas liturgias, viúva agora de seus deuses, não desfrutará mais de sua presença. Estrangeiros encherão este país, esta terra, e não somente já não se tomará cuidado das observâncias, mas sim, coisa mais penosa, será estatuído por pretendidas leis, sob pena de castigos prescritos, abster-se de toda prática religiosa, de todo ato de veneração ou de culto para os deuses. Então esta terra muito santa, pátria dos santuários e templos, ficará inteiramente coberta de sepulcros e mortos. Oh, Egito, Egito! Não ficará de seus cultos mais que lendas e seus filhos, mais tarde, nem sequer acreditarão nisso…" (Asclépio, 24). "Os homens arrancarão as raízes das plantas e examinarão as qualidades dos sucos. Escrutarão as naturezas das pedras e abrirão de cima a baixo àqueles viventes carentes de razão; que digo, dissecarão a seus semelhantes, em seu desejo de examinar como foram formados. Tenderão suas audazes mãos até o mar e, abatendo os bosques que crescem por si mesmos, transportar-se-ão uns aos outros de margem à margem até as terras que estão além. Investigarão inclusive que natureza se oculta no fundo dos santuários inacessíveis. Perseguirão a realidade até no alto, ávidos de conhecer por suas observações qual é a ordem estabelecido do movimento celeste. Mas ainda isto será pouco." (Extratos de Estobeu, XXIII 45).
8 Los Siete Capítulos de Hermes. Ed. Atalanta, Mataró, Barcelona 1995. Também El Papiro de Leyden, mesmo editora e ano. E o Tratado de los Talismanes o Figuras Astrales (1658), Obelisco, Barcelona 1995.
9 Para mais informação e referências bibliográficas e inclusive tradução de textos, ver Festugière: La Révélation d'Hermès Trismégiste, T. I.